João das Regras é o nome do meu gato.
Estranho? Nem por isso. João é porque o achei com cara de.
Das Regras, porque a vinda dele obrigou ao estabelecimento de umas poucas. A ele, mas principalmente a mim.
Para a manutenção da salubridade do espaço que partilhamos, impus-lhe um pequeno caixote, mantido debaixo de higiene impecável, como casa de banho. A mim impôs-me a noite dormida aos meus pés.
Como contrapartida para não continuar a afiar as unhas nos lados do meu sofá favorito, evitei-lhe o uso da coleira anti-pulgas que ele detestava.
Consegui que ele aceitasse com igual satisfação a fast-food, e alguma da que eu próprio como, quando a preguiça é tanta que não me apetece calçar para lhe ir comprar da dele. Como compensação, obriga-me a fornecer-lhe o prato às horas mais inconvenientes. E não me deixa dormir sem lhe encher a pequena tigela com leite fresco.
Também não incomoda o Rafael, um papagaio ao qual nunca consegui arrancar mais do que duas palavras seguidas. Embora nesta decisão tivesse pesado, mais que a sua vontade, a bicada que a ave lhe ferrou a 1ª vez que se atreveu a importuná-la.
É um gato anarquista, e, estranhamente, conseguiu regular um pouco a anarquia em que vogava a minha vida. Fiquei contrariado quando me invadiu a privacidade, foi-me oferecido por alguém a quem não podia dizer que não, mas acabou por se tornar transcendente no meu dia, e muita vez dou comigo a pensar como será quando se for. A idade avança, inexorável, e um dia ... E aflige-me pensar nisso.
Era um rolo de lã acinzentada, baça, quando mo apresentaram. Aos poucos foi-se transformando num magnífico felino, manteve a cor, que no entanto foi ganhando brilho proporcional ao comprimento que o pêlo ia atingindo. Escovo-o todos os dias, operação que vale algumas manifestações de amizade, e um ronronar de satisfação que me faz sempre sorrir.
No inverno, quando acendo a lareira, da qual, prudentemente ele mantém a distãncia, e me sento numa velha cadeira de baloiço a ler, inevitavelmente me salta para o colo, e dorme mansamente. Muita vez, fruto da posição mantida durante tempo excessivo, fico com um pé dormente, o que me obriga a movimentar. Isso constrange-me, detesto acordá-lo, e não raro dirige-me um olhar de reprovação que me faz sempre sentir culpado.
Perdido o viço da juventude, já não desaparece naquelas alturas em que a natureza animal o chamava a satisfazer os prazeres da carne. Quando acontecia, deixava-me preocupado, mas nunca lhe proibi as ausências. Não dava sinal de vida dias a fio e reaparecia magro e sujo, e miava, alto, maneira de demonstrar a satisfação que tinha em rever-me. Mas a minha alegria por saber que voltara, salvo, não duvido que suplantava a dele. Pelas marcas que sempre apresentava, os dias tinham sido agitados, e a descendência devia ter ficado garantida.
Nestes últimos tempos tornou-se na minha sombra, já não é tão independente. E parece preocupar-se comigo, fica triste quando me vê abatido, e manifesta-se alegremente quando me vê desanuviado. Às vezes dá a ideia que se pensa meu dono.
Também já me convenci é que é sensível à música. Quando o leitor de cd’s está ligado, não raro se vai pôr próximo das colunas, cabeça ligeiramente inclinada, ouvido atento. E tem cantores que aprecia. A guitarra e voz do Clapton têm ali um admirador.
Ultimamente tem andado particularmente sensível a esta. Rebola-se e emite uns miados suaves, quase gemidos, quando a ouve
Crazy,
I'm crazy for feeling so lonely
I'm crazy,
Crazy for feeling so blue
I knew
You'd love me
As long as you wanted
And then someday
You'd leave me
For somebody new.
Worry,
Why do I let myself worry?
Wonderin',
What in the world did I do?
Crazy for thinking
That my love could hold you
I'm crazy for trying
And crazy for crying
And I'm crazy
For loving you.
Crazy for thinking
That my love could hold you
I'm crazy for trying
And crazy for crying
And I'm crazy
For loving you.