Novos Voos - Take Two

sábado, abril 22, 2006
Aparências

Cena 1
Local: Café 33, aqui à esquina
Data: Há umas semanas atrás
Estava ao balcão entretido a tomar o café da manhã, quando ouço o Cristiano exclamar:
- Olha-me p’ra aquele larilas do Tó Mané! Ele nunca me enganou! Eu sempre disse que ele abafava!
Olhei para a rua, curioso por saber o que teria despertado aquela súbita indignação do Cristiano. O Tó Mané, como habitualmente, passeava os dois cãezitos – são daqueles rasteiros, de pêlo comprido, e que parecem umas esfregonas – e nessa altura, estava de cócoras, com a mão envolta num saco de plástico, e apanhava os dejectos de um dos animais. E o Cristiano continuava:
- Já não bastava andar sempre a passear os maricas dos cães, agora ainda lhes apanha a trampa! Um dia destes ainda traz um papel para lhes limpar a peidola.
Acabei de tomar o café, e saí sem tugir, nem mugir.
Cena2
Local: o mesmo
Data: Uns dias depois da ocorrência da cena 1
A hora era a mesma, eu fazia a mesma coisa, e o Cristiano, que lá estava também nesse dia, indignava-se novamente:
- Olha lá o mariconço do Abel! Já não lhe bastava ir com a mulher às compras e fazer figura de mainate, ainda lhe traz os saquinhos, feito sopeira. Isto está lindo! Qualquer dia, a maricagem abre uma delegação cá no bairro!

Bem, o Cristiano não é o modelo de tolerância, nem de homem civilizado. Aliás, acho mesmo que não é modelo de nada, nem de ninguém. Anda sempre de barba por fazer, com a camisa aberta a deixar ver os pelos do peito e a camisola interior de alças e sebenta, e um dedo mindinho direito com uma unha de 2 centímetros, que tanto lhe serve para palitar os dentes, como para limpar os ouvidos ou as partes íntimas. Não se lhe conhece trabalho, a menos que vender Rolex’s made in Taiwan e roupas de marca, da tanga, seja considerado profissão, sabe-se quase sempre o que almoça, porque a primeira coisa que faz quando chega ao Café depois do almoço, é arrotar – aliás, nunca se coíbe de largar qualquer tipo de gás, seja onde for . Mas não lhe conhecia aquela faceta intransigente, fosse em relação ao que fosse. Por isso, estranhei as reacções.

Cena 3
Local: Rua dos Remolares
Data: Há uns minutos atrás
Acabei de ver o Cristiano na rua dos Remolares, de mão dada com um marujo americano.


Bob Sinclair – Love Generation
Escrito por: VdeAlmeida, em 4/22/2006 06:01:00 da tarde | Permalink | | ( 2)Comentários
segunda-feira, abril 17, 2006
Momentos...
Tour Eiffel


É conhecida dos meus mais íntimos, a minha paixão por me “perder” em viagens. De toda a espécie: pequenas, um pouco mais longas, e ainda aquelas que, até hoje, nunca saíram da fase de projecto.
Gosto de as preparar, de gozar antecipadamente a saída, o passeio, o que vou ver. Creio que me falta um pouco a costela aventureira, e seria incapaz de me deitar à estrada sem ter a certeza sobre onde iria dormir nessa noite. Se no meu modo de estar perante os outros, pareço por vezes um pouco descuidado, apresento depois esta faceta cautelosa, o que não deixa de me intrigar. Provavelmente, será mesmo o gozo antecipado e não a cautela, e que me transforma uma viagem de 5 ou 6 dias, numa deambulação de duas ou três semanas.
Naturalmente que a concretização é mais intensa. Retém-se no olhar a paisagem, aquela luz precisa que torna o que vejo diverso do que vêem os outros, o ângulo especial que transforma o cliché turístico que é a Torre Eiffel num momento único. Sim, a partir dessa altura, aquele gigantesco “Mecanno” será para sempre só meu.
É esse facto, o dos meus momentos em cada sítio permanecerem para sempre só meus, pela simples razão de que nenhum outro olhar os verá como o meu, que fazem com que cada um seja imperecível. Por isso também, um pequeno passeio pela cidade que conheço desde sempre, pode transformar uma manhã, numa viagem diferente.
E no entanto, não creio que pudesse desfrutar completamente da magia de uma viagem se a não pudesse partilhar. Por vezes, aprecio a solidão, mas nunca nestas alturas. Gosto da partilha dos momentos, da alegria, do frisson causado por cada nova imagem ante os meus olhos, e de ver a surpresa e o encantamento reflectida nos olhos da que me acompanha.

Place des Vosges


Um dia, estava com C. no café, e contava ele da sua satisfação pela recente ida a Paris. O seu entusiasmo tornava-se quase inconcebível para quem o conhecia pouco, porque C. é quase cego. Por isso, alguém lhe fez notar a sua admiração, face às descrições pormenorizadas que fazia de tanta coisa que mal poderia ver. C. manteve-se uns segundos calado, e respondeu:
- Mas eu vou sempre com a Maria, e ela vê tudo. E vai-me descrevendo. É por isso que sei que há um maravilhoso relógio dourado sobre a entrada da Place des Vosges, indo da Rue de Birague, e gárgulas extraordinárias prontas a largarem-se das abas da Notre-Dame.
C. disse assim com toda a simplicidade, que tinha visto Paris pelos olhos apaixonados de Maria, e que, amando-a, não poderia deixar de se apaixonar pela cidade.
E o quanto aquela partilha lhe enchia e transbordava a alma.


Kaiser Chiefs – I Heard it through the Grapevine
Escrito por: VdeAlmeida, em 4/17/2006 04:51:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
quinta-feira, abril 06, 2006
Há tanto tempo...
Long time gone

…mas sempre a mesma intensidade de sentires.

Foi em Abril,
mês de páscoas e de cores
de Primaveras suaves
e de flores
de mistérios, de aromas
e sabores
em que aves voam mais leves
do que as nuvens
e espalham bons agoiros
pelo ar
Foi em Abril,
quando o céu se abre azul
sobre os amores
que senti
nos meus dedos ansiosos
morena a tua pele, e adormeci
com os teus cabelos negros
e sedosos
espalhados no meu peito
como um mar.
Foi em Abril
que recolhi certezas,
e me despedi da solidão
que ardi em desatino
e me perdi em risos
que me deixei consumir
pela paixão
e assumi a alma
e fiz de ti,
sereno, o meu destino


Arnaldo Antunes - Consumado
Escrito por: VdeAlmeida, em 4/06/2006 08:51:00 da manhã | Permalink | | ( 3)Comentários
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