Escreveu Sophia de Mello Breyner Anderson:
"Cortaram os trigos. Agora
A minha solidão vê-se melhor"
in Obra Poética III
...E Luís de Sepúlveda:
"(...)A Mabel.
Com a passagem do tempo aprendi a esquecer as suas palavras olhos, a dimensão dos seus adjectivos lábios, a nítidez das suas mãos substantivos. Com a passagem do tempo, passou o tempo sobre os meus passos, e eu fui-me enchendo de esquecimentos que me foram esquecendo. A cidade de que falei já não existe, nem as ruas, nem a loja das mudas, nem as gravatas largas como remos, nem as palmeiras anãs, nem a atmosfera proustiana livre de decadências. Tudo sucumbiu. A música, o salão de bailes, o cão inclinado junto do gramofone. Tudo se perdeu, perdi. Perdeu-se há que tempos o inchaço do meu olho, mas permanece o hematoma da alma e alguma coisa falta, Mabel, alguma coisa falta, e por isso uma pessoa anda pela vida fora caminhando como um insecto coxo, como uma lagartixa sem rabo, ou coisa assim."
in Encontro de Amor num País em Guerra
Interrogo-me sobre o que escreveria eu. Como se descreve o vazio? Pode-se?
Então prefiro responder com as palavras de Paul Eluard:
"Os meus altos estavam à minha altura
Andei por todas as minhas ravinas
E não duvido nada da banalidade da minha vida
Os meus amores cresceram num jardim jardim
As minhas verdades e os meus erros
Pude pesá-los como se pesa
O trigo que multiplica ao sol
Ou então o que falta no celeiro
Dei à minha sede a sombra de um pesado abismo
À minha alegria dei o poder compreender a perfeição
Da forma de uma jarra"
in Últimos Poemas de Amor
Foto daqui