…e um médico perfeito
7 Coisas que não faço ou não sei fazer:
- Bricolage (tudo o que seja trabalhos manuais é um suplício. Quem quiser uma parede deitada abaixo, é só convidar-me para lhe pregar um quadro)
- Doces (é aquela parte da cozinha que não cabe nos meus atributos)
- Lembrar datas (para me recordar de datas de aniversários, tenho que ter sempre ajuda)
- Orientar-me (quando chego a uma cidade que não conheço e tenho que ir para determinado sítio, é sabido que vou parar ao outro lado. E isso acontece-me mesmo em cidades que deveria conhecer bem. Mesmo em casa, aconteceu-me que quando vim morar para a minha actual residência, várias vezes fiquei espantado ao chegar à sala e não encontrar o lavatório)
- Conduzir à noite (sou pior que uma toupeira)
- Ficar em bichas de transportes públicos (não tenho paciência e quando decido fazê-lo é certo e sabido que ao fim de 2 minutos estou a pau a ver se aparece um táxi)
- Fazer habilidades (tudo o que tenha a ver com manipulação está fora do meu controlo)
- Rita Hayworth
- Jean Seberg
- Sophie Marceau
- Isabelle Adjani
- Scarlet Johansson
- Hanna Schygulla
- Charlize Theron
Actores:
- Philippe Noiret
- Steve Mc Queen
- Peter O’Toole
- Sean Connery
- Robert de Niro
- John Cusack
- Johnny Depp
Como sei que há uma certa relutância na resposta a estas coisas, faço o seguinte: passo o fardo aos que, de entre os que me visitam, se quiserem dar ao trabalho de o fazer.
Este "desabafo" trouxe-me inesperadamente, alguma nostalgia.
É verdade que nunca fui um verdadeiro apreciador do café de “saco”, mas houve um tempo da minha vida em que ele era parte de uma espécie de ritual do meu dia, e partilhado com mais uns quantos companheiros. Era a hora do almoço, por esses tempos dilatada, mas mesmo assim, quase sempre feita de passo apertado - especialmente a ida - tais as voltas que tínhamos que dar para o cumprir com a dignidade que impõe qualquer solenidade.
A rua dos Correeiros era subida à pressa, os turistas sentados na Suiça nem mereciam um olhar, até se chegar à primeira paragem, no Largo de São Domingos, local notável referenciado por ter assistido ao crepitar de algumas piras da Inquisição, e balizado por quatro edifícios todos eles importantes na história e cultura portuguesas a começar pelo Teatro Nacional, e, seguindo o sentido dos ponteiros do relógio, o palácio da Independência, a Igreja de S. Domingos e …a Ginjinha. Pois, era aí, por volta do meio-dia e qualquer coisa, que o apetite era ganho, engolindo um cálice da popular bebida.
Depois, novamente a trote, passávamos a estação do Rossio - agora está de cara lavada e bela como nunca - direitos ao elevador da Glória. Lá bem em cima, a descida direitos ao largo da Misericórdia, que, mal entrado logo se deixava ao curvar-se á direita pela rua da Atalaia abaixo com destino ao Alfaia, onde nos esperavam umas “Pataniscas de bacalhau com arroz de feijão “. Ou se fosse 5ª feira um magnífico e quase ofensivo pela opulência, “Cozido à portuguesa” e à 6ª era o “Bacalhau com todos”. À 2ª feira, e para entrada da semana em beleza, era inevitável a “Mão de Vaca com grão“, e os dias restantes, que já eram poucos, eram ao gosto do freguês. Nunca soube porquê, mas aquelas mesas com as suas toalhas aos quadrados vermelhos e brancos, os pratos alinhados com guardanapos de PANO ao lado, pareciam abrir o apetite. A qualidade da cozinha fazia o resto.
Era ali , portanto, que se matava a gula, ou que pelo menos a adormecíamos por umas horas.
O regresso era feito lentamente, que a digestão assim mandava, e só era interrompido por uma paragem na Casa Chinesa, mesmo no início da Rua do Ouro, mal deixado o Rossio. O cheiro do café que se espalhava pela rua, denunciava a especialidade do estabelecimento. Foi aí que durante muito tempo tomei o meu “café de saco” digestivo.
Nunca soube se era a qualidade daquela grão escuro que eles serviam, se era meramente o escrupuloso cumprimento do último gesto do cerimonial imposto por aquele nosso grupo a que outros chamavam “O grupo da Ginjinha”. Sei que era um tempo agradável e que o cumpria com prazer. e que ali se estabelecia o ponto final de uma liturgia a que regressávamos no dia seguinte, com a mesma vontade e que cumprimos durante muito tempo.
Há muito tempo.
Foto tirada d’A Xafarica
Na vida, tenho algumas convicções e poucas certezas. Destas, uma das que mantenho há muito tempo, é a de que Peter O’Toole é o maior actor que até hoje vi no cinema. Esta é uma certeza difícil, principalmente para quem tem uma memória cinematográfica vasta. E quando se não esquece de Tracy ou Brando, Gary Cooper ou Laurence Olivier, Nicholson em Voando sobre um ninho de cucos e Chinatown, ou de De Niro em Touro Enraivecido, e tantos outros actos de representação inolvidáveis, convenhamos que tem que ser uma fé inabalável.
E vem ela desde a tarde em que me sucedeu algo insólito. Já vi algumas dezenas ou centenas de filmes empolgantes, mas só na tarde em que assisti a Beckett não me levantei no fim do filme. Permaneci na cadeira aturdido, mas mais, com uma enorme vontade de ficar para a sessão seguinte, que infelizmente já se encontrava esgotada. Não considero o filme, apesar das, suponho, 12 nomeações para o Óscar, melhor que alguns outros da época, como o “cruel diálogo” titulado O Leão no Inverno. Mas se neste, a actuação de O’Toole num “tête-à-tête” louco com Katherine Hepburn é soberba, a sua performance em Beckett, no papel do Rei Henrique II é absolutamente esmagadora e Richard Burton (Beckett), então no auge da fama (merecida) e que encarna a personagem de Beckett, é completamente subalternizado por O‘Toole, apesar de, terem sido ambos nomeados para o Óscar de melhor actor, nesse ano de 1965 ganho por Rex Harrison, em My Fair Lady (da lista desse ano de ouro fazia também parte Peter Sellers, em Dr. Strangelove e Anthony Quinn, no seu papel definitivo de Zorba).
Ora quando um actor não ganha o Óscar depois de uma representação daquelas, é certo que nunca mais o ganhará. Já tinha sido assim em Lawrence da Arábia (apesar do Óscar atribuído ao filme), voltou a ser no O Leão no Inverno, apesar do Óscar ganho por Katherine Hepburn. E assim foi mais uma mão cheia de vezes até aos dias de hoje.
Este ano estava mais uma vez nomeado pelo seu desempenho em Vénus. O filme segundo as críticas (ainda não vi), é fraquinho, mas O’Toole estando novamente em grande forma, foi mais uma vez preterido.
Mas que diabo, já alguém acreditará na isenção daquele colégio de senhores que distribui os prémios? Muitos dirão que um Óscar não tem assim tanta importância, nem será a aspiração suprema de um actor a sério, mas mesmo assim…
Confesso: tenho pena que ele em 2003 não se tenha recusado a receber o Óscar Honorário, porque o que ele fez no cinema merecia muito mais que um prémio de consolação.
King Henry II - Não receies, Bispo. Não procuro absolvição. na consciência, tenho algo mais grave que um pecado: um erro!
Há uns dias, alguém que me é muito chegado disse-me que ia com o marido ao cinema, e eu, como a curiosidade habitual perguntei-lhe o que iam ver. “Hannibal - A Origem do Mal”. E eu pensei cá para comigo:”Blheca!!! Ora aí está um que eu não ia ver nem que me pagassem”.
Sabendo-se que Anthony Hopkins é um dos actores que mais admiro, a reacção até poderia parecer estranha, tanto mais que o primeiro filme em que ele vestiu a pele de H. Lecter, “O Silêncio dos Inocentes” é um dos meus preferidos da década de 90. Só que…tive o azar de ver o segundo da série “Hannibal“, e sinceramente, se a cena da execução do personagem encarnado por Giancarlo Gianini, pela crueza, me revolveu um bocado o estômago, aquela parte em que o Hopkins frita um pedaço do cérebro do Ray Liotta e lho dá a provar enquanto o mantém em anestesia parcial, foi demais, e aí desliguei o leitor de DVD (ainda hoje bendigo a decisão de não o ter ido ver ao cinema). E desde então, aquela cena vem-me à cabeça uma vez por outra, o que já é suficiente para se tornar inquietante. Tem nele origem uma recente apreensão minha em relação às anestesias. E digo isto porque tendo, anteriormente ao fatídico visionamento, sido submetido a duas e gerais, sempre fui para elas sem preocupações de maior, naquele espírito aberto de “Não há-de ser nada” ou “Que se lixe, se o sono for eterno, é da maneira que se me acabam as insónias”.
Ora se daqui para a frente algum médico me propuser uma intervenção que careça anestesia, a receptividade ao alvitre já não será a mesma de antigamente, já para não falar que desde essa altura penso sempre duas vezes quando recebo convites para jantar, porque pondero sempre na possibilidade de fazer eu próprio, parte da ementa.
Mas nem é essa a minha principal preocupação. Andei a consultar literatura avulsa sobre o tema e a questão é alarmante. Além dos “buracos” que uma anestesia cava no cérebro - o meu, com duas e uma delas prolongada, deve parecer um queijo Gruyére Cave Aged - há notícias de alteração de personalidade e aí reside o busílis da questão.
Por exemplo:
- já imaginaram o que era eu aparecer “esticado” e de sobrancelhas arranjadas como o António Calvário?
- já imaginaram o que era eu aparecer com um penteado igual ao do Engº Sousa Veloso, género boina, puxado da nuca para a frente?
- já imaginaram o que era eu tornar-me fã da Floribela?
- já imaginarm o que era eu tornar-me militante do PSD, ir a um jantar convívio e calhar-me ficar na mesma mesa do Alberto João da Madeira?
- já imaginaram o que era eu, passar depois a independente e ir a um jantar de desagravo ao Valentim Loureiro e ao Isaltino de Morais e tocar-me logo ficar ao lado deles na mesa de honra? (pelo sim, pelo não, nesta situação, não assinava nada que qualquer um deles me pusesse à frente)
- já imaginaram o que era eu sujeitar-me a ver a TVI, precisamente na altura em que a Manuela Moura Guedes imitava a Jessica Rabbit?
- já imaginaram o que era eu começar a fazer parte do núcleo de amizades do Castelo Branco e da Mummy Grafstein?
- já imaginaram o que seria aparecer de repente á vizinhança bronzeado como o Paulo Portas com o aspecto de usar Font de Tein “Accord Parfait” da L’Oreal?
Sim, há efeitos colaterais bem piores que o facto de ser inusitadamente comido.
“Vivo” nesta casa desde…
Era um dia quente de Agosto, daqueles em que parece que à nossa volta tudo transpira, tanto que o fundo da avenida visto do topo, parece uma miragem, com o ar rarefeito a subir do alcatrão empapado e a distorcer a imagem.
Nesses dias procura-se qualquer sombra, qualquer réstia de frescura, e eu, estranhamente, refugiei-me no cinema onde sabia de antemão que sofreria como numa sauna não voluntária, era um daquelas salas antigas, sem ar condicionado, as cadeiras eram de verga, e ficava-se com as marcas de cada palha na pele. Eu era um adolescente que via filmes há muito, o meu pai trabalhava no cinema, e a minha mãe começara a levar-me lá ainda eu era de colo, mas só há pouco começara verdadeiramente a assimilar a magia emanada daquele grande rectângulo, (embora os grandes clássicos da Disney já me povoassem a imaginação) onde se projectavam pedaços de vida, e fora então que a mística dos grandes mestres me envolvera.
Um deles, graças a um assustador exercício cinematográfico chamado “Psycho”, atrair-me-ia irresistivelmente a si. E naquela tarde o desafio era irrecusável, na sala ofegante exibia-se outra pequena obra-prima de Hitchcock, “North by Northwest” (Intriga Internacional), filme negro misto de suspense e espionagem em que Cary Grant demonstrava mais uma vez o porquê de mestre Hitch o ter como um dos seus actores fetish, e que continha algumas das cenas imortais da´7ª arte, como a extraordinária fuga de Cary a um inusitado ataque vindo dos céus, ou outra rodada no Monte Rushmore, especialmente a sequência passada no nariz de Lincoln ( o filme esteve mesmo para se chamar The Man in Lincoln’s Nose” Pródigo em atractivos, os já citados, suficientes para me fazer sair compensado da escaldante tortura, o que no entanto mais me ficou na retina, foi uma casa onde se passava uma boa parte da intriga, e que, viria depois a saber, seria uma réplica de uma das obras-primas do grande arquitecto norte-americano Frank Lloyd Wright, a Fallingwater House.
A sugestão da vida num tal sítio já de si tão espantosamente único do ponto de vista arquitectural, enriquecido ainda por uma envolvência ambiental quase selvagem, teve um impacto tão forte que quase me fez perder o fio ao trama, a ponto de só ao 2º visionamento o conseguir assimilar totalmente. Tal facto, e até hoje, só teve talvez alguma vez e de alguma forma equivalência, no dia em que me apareceram no ecran os extraordinários olhos da Lee Remick em Anatomia de um Crime, de Otto Perminger, e outra das minhas obras de referência (mas desses falarei mais tarde)
Aquela casa foi, portanto, um caso de amor à primeira vista, tendo sonhado habitar nela, sonho impossível, eu sei, mas como aos sonhos os constrange , eu digo sempre que “vivo” nela…a milhares de quilómetros de distância.
Soube há uns tempos que o seu ex-libris, aquela maravilhosa queda de água que se lhe solta das entranhas e na qual reside toda a sua mística, paradoxalmente a torna, devido ao seu rugido constante, in-habitável.