Este "desabafo" trouxe-me inesperadamente, alguma nostalgia.
É verdade que nunca fui um verdadeiro apreciador do café de “saco”, mas houve um tempo da minha vida em que ele era parte de uma espécie de ritual do meu dia, e partilhado com mais uns quantos companheiros. Era a hora do almoço, por esses tempos dilatada, mas mesmo assim, quase sempre feita de passo apertado - especialmente a ida - tais as voltas que tínhamos que dar para o cumprir com a dignidade que impõe qualquer solenidade.
A rua dos Correeiros era subida à pressa, os turistas sentados na Suiça nem mereciam um olhar, até se chegar à primeira paragem, no Largo de São Domingos, local notável referenciado por ter assistido ao crepitar de algumas piras da Inquisição, e balizado por quatro edifícios todos eles importantes na história e cultura portuguesas a começar pelo Teatro Nacional, e, seguindo o sentido dos ponteiros do relógio, o palácio da Independência, a Igreja de S. Domingos e …a Ginjinha. Pois, era aí, por volta do meio-dia e qualquer coisa, que o apetite era ganho, engolindo um cálice da popular bebida.
Depois, novamente a trote, passávamos a estação do Rossio - agora está de cara lavada e bela como nunca - direitos ao elevador da Glória. Lá bem em cima, a descida direitos ao largo da Misericórdia, que, mal entrado logo se deixava ao curvar-se á direita pela rua da Atalaia abaixo com destino ao Alfaia, onde nos esperavam umas “Pataniscas de bacalhau com arroz de feijão “. Ou se fosse 5ª feira um magnífico e quase ofensivo pela opulência, “Cozido à portuguesa” e à 6ª era o “Bacalhau com todos”. À 2ª feira, e para entrada da semana em beleza, era inevitável a “Mão de Vaca com grão“, e os dias restantes, que já eram poucos, eram ao gosto do freguês. Nunca soube porquê, mas aquelas mesas com as suas toalhas aos quadrados vermelhos e brancos, os pratos alinhados com guardanapos de PANO ao lado, pareciam abrir o apetite. A qualidade da cozinha fazia o resto.
Era ali , portanto, que se matava a gula, ou que pelo menos a adormecíamos por umas horas.
O regresso era feito lentamente, que a digestão assim mandava, e só era interrompido por uma paragem na Casa Chinesa, mesmo no início da Rua do Ouro, mal deixado o Rossio. O cheiro do café que se espalhava pela rua, denunciava a especialidade do estabelecimento. Foi aí que durante muito tempo tomei o meu “café de saco” digestivo.
Nunca soube se era a qualidade daquela grão escuro que eles serviam, se era meramente o escrupuloso cumprimento do último gesto do cerimonial imposto por aquele nosso grupo a que outros chamavam “O grupo da Ginjinha”. Sei que era um tempo agradável e que o cumpria com prazer. e que ali se estabelecia o ponto final de uma liturgia a que regressávamos no dia seguinte, com a mesma vontade e que cumprimos durante muito tempo.
Há muito tempo.
Foto tirada d’A Xafarica
espaço de sociabilidade,
de encontro.
Estou a ver os caminhos
percorridos
[digestões difíceis, não? :)
e os tampos de mesa em mármore?],
aqui me chegam cores, fragâncias,
Nem sei se agradeço este post se o acho de extrema maldade :)
Não, gostei. Trouxe-me, ainda, outros caminhares, um Nicola, uma Rua do Carmo subida, um Chiado reencontrado, livros, música, uma presença sempre presente
Desejo de um bom dia