Novos Voos - Take Two

quinta-feira, março 15, 2007
Há muito tempo...


Este "desabafo" trouxe-me inesperadamente, alguma nostalgia.
É verdade que nunca fui um verdadeiro apreciador do café de “saco”, mas houve um tempo da minha vida em que ele era parte de uma espécie de ritual do meu dia, e partilhado com mais uns quantos companheiros. Era a hora do almoço, por esses tempos dilatada, mas mesmo assim, quase sempre feita de passo apertado - especialmente a ida - tais as voltas que tínhamos que dar para o cumprir com a dignidade que impõe qualquer solenidade.
A rua dos Correeiros era subida à pressa, os turistas sentados na Suiça nem mereciam um olhar, até se chegar à primeira paragem, no Largo de São Domingos, local notável referenciado por ter assistido ao crepitar de algumas piras da Inquisição, e balizado por quatro edifícios todos eles importantes na história e cultura portuguesas a começar pelo Teatro Nacional, e, seguindo o sentido dos ponteiros do relógio, o palácio da Independência, a Igreja de S. Domingos e …a Ginjinha. Pois, era aí, por volta do meio-dia e qualquer coisa, que o apetite era ganho, engolindo um cálice da popular bebida.
Depois, novamente a trote, passávamos a estação do Rossio - agora está de cara lavada e bela como nunca - direitos ao elevador da Glória. Lá bem em cima, a descida direitos ao largo da Misericórdia, que, mal entrado logo se deixava ao curvar-se á direita pela rua da Atalaia abaixo com destino ao Alfaia, onde nos esperavam umas “Pataniscas de bacalhau com arroz de feijão “. Ou se fosse 5ª feira um magnífico e quase ofensivo pela opulência, “Cozido à portuguesa” e à 6ª era o “Bacalhau com todos”. À 2ª feira, e para entrada da semana em beleza, era inevitável a “Mão de Vaca com grão“, e os dias restantes, que já eram poucos, eram ao gosto do freguês. Nunca soube porquê, mas aquelas mesas com as suas toalhas aos quadrados vermelhos e brancos, os pratos alinhados com guardanapos de PANO ao lado, pareciam abrir o apetite. A qualidade da cozinha fazia o resto.
Era ali , portanto, que se matava a gula, ou que pelo menos a adormecíamos por umas horas.
O regresso era feito lentamente, que a digestão assim mandava, e só era interrompido por uma paragem na Casa Chinesa, mesmo no início da Rua do Ouro, mal deixado o Rossio. O cheiro do café que se espalhava pela rua, denunciava a especialidade do estabelecimento. Foi aí que durante muito tempo tomei o meu “café de saco” digestivo.
Nunca soube se era a qualidade daquela grão escuro que eles serviam, se era meramente o escrupuloso cumprimento do último gesto do cerimonial imposto por aquele nosso grupo a que outros chamavam “O grupo da Ginjinha”. Sei que era um tempo agradável e que o cumpria com prazer. e que ali se estabelecia o ponto final de uma liturgia a que regressávamos no dia seguinte, com a mesma vontade e que cumprimos durante muito tempo.
Há muito tempo.

Foto tirada d’A Xafarica


Escrito por: VdeAlmeida, em 3/15/2007 09:10:00 da manhã | Permalink | |


18 Comments:


  • At 11:46 da manhã, Blogger teresamaremar

    Não é que eu tenho esta foto, em pousio, para fazer um post sobre a praça do Rossio? :)

    espaço de sociabilidade,
    de encontro.


    Estou a ver os caminhos

    percorridos

    [digestões difíceis, não? :)
    e os tampos de mesa em mármore?],


    aqui me chegam cores, fragâncias,


    Nem sei se agradeço este post se o acho de extrema maldade :)


    Não, gostei. Trouxe-me, ainda, outros caminhares, um Nicola, uma Rua do Carmo subida, um Chiado reencontrado, livros, música, uma presença sempre presente


    Desejo de um bom dia  
  • At 3:50 da tarde, Blogger Belinha Fernandes

    Olá!venho agradecer o link colocado para o meu blog.Li o post sobre o café com atenção porque adoro café mas infelizmente a loja que vendia café de saco moido na altura, aqui na Figueira, já não o faz.Recordo também, quando ainda vivia em Braga, que esse cheiro do café moido de fresco e colocado em pacote de papel, depois atado no topo com guita, era dos que mais me agradava quando acompanhava a minha mãe à mercearia...Bebo chás diversos e café diariamente mas o café é aquela bebida que não dispenso...  
  • At 9:59 da tarde, Blogger augustoM

    Em primeiro lugar a fotografia é o máximo em segundo fizeste a saudade levantar voo, e voei por esses sítios todos e pelos passarinhos do Arco Bandeira, pelas bifanas, o choco frito, sinto a água a crescer na boca, como se a água fosse a própria saudade.
    Um abraço. Augusto  
  • At 10:49 da tarde, Blogger vague

    o doce aroma da memória, Bird... :)  
  • At 10:35 da manhã, Blogger Som do Silêncio

    Olá!

    Gostei do teu post!
    Até vou beber um café :) fiquei com vontade!

    Beijo Silencioso  
  • At 1:26 da tarde, Blogger lado lunar

    Já bebi café, deu-me vontade de ir ao martinho da Arcada. Ia bater com o nariz na porta.

    Vou passar este texto ao scanner se não te importas. para ler melhor. Já não é a primeira vez...

    Vai "conhecer" o meu pai aqui
    http://nondualdaily.blogspot.com/
    Ele deveria ter gostado de te conhecer, tenho a certeza!

    Teresa a rapariga  
  • At 1:32 da tarde, Anonymous Anónimo

    Não consegui tirar o texto via impressora. É proibido?

    É que eu leio melhor no papel do que no ecran do PC.

    Xooaaaccc!!!  
  • At 1:43 da tarde, Blogger Gi

    Ontem estive aqui, escrevi e não foi pouco, queres ver que não enviei?

    Dizia eu que 2 horas de almoço nessa altura davam para tudo e mais alguma coisa. O meu pouso preferido na R. dos Correiros era o Regional, lembras? Lombinhos de porco mexicana eram uma especialidade e de vez emq aundo misturado no esparregado lá ía uma malagueta :) dispensava a sobremesa, preferia ir até à Nacional e beber um café e comer um austríaco. A Suiça reservava-a para encomendar os bolos de anos da família, achava "cotas" os que por lá paravam, e o "chá frio" que era moda por lá não era do meu agrado. Depois não ía à ginginha ficava-me pela Casa Africana, Lojas das Meias, can-Can. Enfim aquilo a que chamavam "coisas de gajas" lol , mas o tempo mais bem passado era aquele em que subia até ao Chiado e ía parando em todas as livrarias para ler um bocadinho, chegava a apontar o nº da pagina e no outro dia ía lá ler mais. Há vícios tramados :)

    E pronto, já me fizeste dar um passeio pelo passado, ao tempo em que parecia que o Mundo tinha sido feito para que eu pudesse tirar prazer de tudo. Agora contento-me com os pequenos nadas e sabes que não me sinto sequer beliscada?.

    beijos  
  • At 3:02 da tarde, Blogger miss woody & miss allen

    Yardbird,

    Seu contador de histórias. É daqueles que batem as palmas e o mundo ressuscita três vezes.

    [misses]  
  • At 6:51 da tarde, Blogger VdeAlmeida

    Teresamar, é uma coincidência, mas também uuma pequena prova que a foto é bonita, e sobretudo nostálgica, não é? :-)
    As digestões, com o trabalho a seguir, lá iam. O pior era mesmo o trabalho. Por vezes custava a engolir.
    Os teus percursos...foram também muita vez os meus
    Beijinho, bom fim de semana :-)  
  • At 6:53 da tarde, Blogger VdeAlmeida

    Belinha, achei o blog muito original e por isso o linkei, não é para agradecer :-)
    Quanto a essa forma de trazer o café para casa...quantas vezes eu o fiz
    Fim de semana feliz  
  • At 6:54 da tarde, Blogger VdeAlmeida

    Ora bem, Augusto. É da forma que um dia destes pode ser que façamos os dois o percurso :-)
    Abraço  
  • At 6:55 da tarde, Blogger VdeAlmeida

    Verdade, Vague :-) Um aroma que, feizmente, vai permanecendo
    Beijinho. saudades  
  • At 6:57 da tarde, Blogger VdeAlmeida

    Eu já bebi, Som :-) Dois.
    Obrigado pela visita. Beijinho  
  • At 6:58 da tarde, Blogger VdeAlmeida

    Ena, outro blog, Teresa?
    Lá irei. beijinho  
  • At 7:01 da tarde, Blogger VdeAlmeida

    Não, Teresa. Nem imagino porque acontecerá isso. Faz copy para um processador de texto e depois imprimes de lá  
  • At 7:06 da tarde, Blogger VdeAlmeida

    Por vezes acontece isso, Gi. E geralmente é sempre com respostas longas lol!!! Já me aconteceu!
    Essas voltas que referes, também as dei (e como não me havia de lembrar do "Regional", com o Estrela da Rua do Arco da Bandeira, incontornáveis).
    Nós, que frequentámos aquelas bandas todos os dias, devemos ser os que entendem melhor a catástrofe que foi aquuele incêndia (se exceptuarmos, claro, os afectados directamente). muita coisa se perdeu definitivamente e não falo só de prédios: hábitos, locais de convívio, etc. Por muita intervenção que lá se faça, nunca se aproximará sequer do que era dantes.
    Beijinho, Amiga :-)  
  • At 7:08 da tarde, Blogger VdeAlmeida

    Gracias ás misses pela simpatia inexcedível.
    Com um largo sorriso  
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