“Vivo” nesta casa desde…
Era um dia quente de Agosto, daqueles em que parece que à nossa volta tudo transpira, tanto que o fundo da avenida visto do topo, parece uma miragem, com o ar rarefeito a subir do alcatrão empapado e a distorcer a imagem.
Nesses dias procura-se qualquer sombra, qualquer réstia de frescura, e eu, estranhamente, refugiei-me no cinema onde sabia de antemão que sofreria como numa sauna não voluntária, era um daquelas salas antigas, sem ar condicionado, as cadeiras eram de verga, e ficava-se com as marcas de cada palha na pele. Eu era um adolescente que via filmes há muito, o meu pai trabalhava no cinema, e a minha mãe começara a levar-me lá ainda eu era de colo, mas só há pouco começara verdadeiramente a assimilar a magia emanada daquele grande rectângulo, (embora os grandes clássicos da Disney já me povoassem a imaginação) onde se projectavam pedaços de vida, e fora então que a mística dos grandes mestres me envolvera.
Um deles, graças a um assustador exercício cinematográfico chamado “Psycho”, atrair-me-ia irresistivelmente a si. E naquela tarde o desafio era irrecusável, na sala ofegante exibia-se outra pequena obra-prima de Hitchcock, “North by Northwest” (Intriga Internacional), filme negro misto de suspense e espionagem em que Cary Grant demonstrava mais uma vez o porquê de mestre Hitch o ter como um dos seus actores fetish, e que continha algumas das cenas imortais da´7ª arte, como a extraordinária fuga de Cary a um inusitado ataque vindo dos céus, ou outra rodada no Monte Rushmore, especialmente a sequência passada no nariz de Lincoln ( o filme esteve mesmo para se chamar The Man in Lincoln’s Nose” Pródigo em atractivos, os já citados, suficientes para me fazer sair compensado da escaldante tortura, o que no entanto mais me ficou na retina, foi uma casa onde se passava uma boa parte da intriga, e que, viria depois a saber, seria uma réplica de uma das obras-primas do grande arquitecto norte-americano Frank Lloyd Wright, a Fallingwater House.
A sugestão da vida num tal sítio já de si tão espantosamente único do ponto de vista arquitectural, enriquecido ainda por uma envolvência ambiental quase selvagem, teve um impacto tão forte que quase me fez perder o fio ao trama, a ponto de só ao 2º visionamento o conseguir assimilar totalmente. Tal facto, e até hoje, só teve talvez alguma vez e de alguma forma equivalência, no dia em que me apareceram no ecran os extraordinários olhos da Lee Remick em Anatomia de um Crime, de Otto Perminger, e outra das minhas obras de referência (mas desses falarei mais tarde)
Aquela casa foi, portanto, um caso de amor à primeira vista, tendo sonhado habitar nela, sonho impossível, eu sei, mas como aos sonhos os constrange , eu digo sempre que “vivo” nela…a milhares de quilómetros de distância.
Soube há uns tempos que o seu ex-libris, aquela maravilhosa queda de água que se lhe solta das entranhas e na qual reside toda a sua mística, paradoxalmente a torna, devido ao seu rugido constante, in-habitável.
E este teu sítio também muito motivador.
Gostei da visita.
Vou passando ...