Renoir é um dos pintores eternos, daqueles cujos quadros permanecem para sempre na retina de quem os vê. Por muito pouco conhecedor que se seja em matéria de pintura, há sempre em cada um aquele instinto de apreciar o que é belo. E os quadros de Renoir são belíssimos, mesmo que nem todos sejam o Bal au Moulin de la Galette.
Curiosamente, o nascimento de Renoir é quase coincidente com o de um dos maiores vultos da nossa literatura, Eça de Queiroz, e ambos seriam, anos mais tarde, contemporâneos em Paris, cidade onde ambos se estabeleceram. E se a pintura de Renoir é inolvidável e eterna, a escrita de Eça é paradigma da excelência.
Mas, especialmente para o meu gosto, tem uma particularidade que a torna ímpar, a sátira, a ironia latente, a crítica mordaz, que se mostra com mais evidência nas Farpas, que escreveu com Ramalho Ortigão. E mantém uma actualidade extraordinária, que a torna intemporal.
Senão, veja-se um excerto de uma crónica escrita em 1871:
“Há muitos anos a política em Portugal, apresenta este singular estado.
Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente, possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder... O poder não sai duns certos grupos, como uma pela que quatro crianças, aos quatro cantos de uma sala, atiram umas às outras, pelo ar, numa explosão de risadas.
Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no poder, esses homens são, segundo a opinião e os dizeres de todos os outros que lá não estão, - os corruptos, os esbanjadores da fazenda, a ruína do país, e outras injúrias pequenas, mais particularmente dirigidas aos seus caracteres e às suas famílias.
Os outros, os que não estão no poder são, segundo a sua própria opinião e os seus jornais – os verdadeiros liberais, os salvadores da causa pública, os amigos do povo, os interesses do país e a pátria.
Mas que cousa notável!
Os cinco que estão no poder, fazem tudo o que podem – intrigam, trabalham, para continuar os esbanjadores da fazenda e a ruína do país, durante a maior parte do tempo possível! E os que não estão no poder movem-se, conspiram, cansam-se para deixar de ser – o mais depressa que puderem – os verdadeiros liberais, e os interesses do país!
Até que enfim caem os cinco do poder, e os outros – os verdadeiros liberais- entram triunfantemente na designação herdada de esbanjadores da fazenda e ruína do país, e os que caíram do poder, resignam-se cheios de fel e amargura, a vir a ser os verdadeiros liberais e os interesses do país
Ora veja-se como, ao fim de quase século e meio, com um pequeno retoque aqui, outro ali – pois é, está-se mais politicamente correcto e o conceito de corrupção é uma abstracção – este texto não poderia hoje aparecer em qualquer coluna de opinião do DN ou do Público.