Novos Voos - Take Two

quarta-feira, maio 04, 2005
Vizinhos II

Pois ontem lá andava a cadela da minha vizinha a roçar o cú pela calçada. A propósito, acho que a dona vai ter que gastar outra vez um balúrdio no salão de beleza para voltar a pôr a bichana como estava, porque era toda branquinha e agora está com os quartos traseiros todos encardidos. A bicha é daqueles animais todos não me toques a quem os donos fazem uns cortes de pêlo tão apaneleirados que se os animais tivessem raciocínio, nunca mais lhes perdoavam. Esta então, como poderão verificar pela fotografia que junto, é um must. Na rua só lhe chamam a Madame Pompadour, e a dona, que por acaso é assim para o baixito e rechonchudo e tem um pequeno buço, é conhecida como Sancho Pança. Por coincidência, fui eu que “baptizei” ambas.
Bem, mas a minha relação com os cães aqui da vizinhança não é realmente a melhor. O Adérito tem um daqueles cãezitos que têm o queixal de baixo, mais saído que o de cima, e a primeira vez que o vi, estava a estorvar no meio do caminho, e eu desviei-o gentilmente com a ponta do pé e sem querer pisei-lhe o rabo. E o bicho tomou-me de ponta e sempre que eu entrava na tasca, começava-me a rosnar e uma vez ainda me conseguiu deitar os dentes a umas calças novinhas. Mas costuma-se dizer que quem com ferro mata...Ora o cão apanhou uma camada de pulgas das antigas e o Adérito disse-me:
- O Pluto (é o nome do canito, que é filho da Pluta, uma cadela rafeira que ele tinha) anda cheio de pulgas, e como tem muitas comichões, anda-se a roçar por todo o lado para se coçar, e enche a malta toda de pulgas. Anda-se tudo a queixar, já ando a perder clientes e não sei o que hei-de fazer!
Foi aí que vi uma maneira de me vingar do episódio das calças. E disse ao Adérito:
- Não tens um pulverizador de DDT? Metes o açaime no cão, eu seguro-o e tu pulverizas o animal.
- Boa ideia! – respondeu o Adérito
- Mas se calhar, como são muitas pulgas, o melhor é juntares um bocado de creolina ao DDT, sempre fica mais forte.
Bem, o Adérito concordou, foi à drogaria comprar à creolina e juntou-a ao DDT como eu tinha sugerido. Meteu o açaime ao cão, e assim em segurança, lá o agarrei pela cabeça, enquanto o dono o começava a sulfatar pela parte de trás. O pior é que mal levou a primeira sulfatadela, o animal mandou um berro que se ouviu na rua toda, soltou-se-me das mãos e fugiu a uma velocidade estonteante. O Adérito ficou tão surpreendido como eu, embora eu já esperasse que a coisa desse para o torto.
Só vos digo, no dia a seguir quando vi o cão muito cabisbaixo, até tive pena dele. Então é assim, o cão não se conseguia sentar e andava com as patas traseiras muito abertas e só quando o vi por trás é que me apercebi bem das proporções da tragédia. O sítio que tinha sido sulfatado perdera o pêlo todo, e no meio daquela desolação, o par de penduricalhos todos pelados, muito cor-de-rosa. Parecia uma árvore de Natal só com duas bolas e as duas da mesma cor. Era um espectáculo digno de se ver.
O Adérito mal me viu, começou a mandar vir comigo, mas por fim eu fiz-lhe ver que as pulgas se tinham ido todas, e isso era o objectivo principal. Ele como não deve muito à inteligência, acabou por concordar comigo.

Agora vamos então à história do triângulo amoroso Etelvina-Machado-Artur.
Pois bem, eu há uns tempos que desconfiava que o Machado era um bocado esquisito. Começou quando um dia eu estava sentado num dos bancos corridos do Adérito a jogar dominó com o Albino, e ele se sentou ao meu lado a comer um pires de jaquinzinhos. Ele pegava no jaquinzinho pela cabeça, comia-o, e quando ficava só a cabeça estendia a mão e dava-a ao gato do Adérito. Só que o gato estava sentado ao pé de mim, mas do outro lado, e ele para lhe dar as cabecinhas, passava-me a mão pela frente das calças e ria-se muito. E eu comecei a desconfiar que ele estava a ver se me acontecia a mesma coisa que sucede quando como amendoins e no fim tenho que sacudir aquelas cascas finas do colo.
Não sei como é que ele conheceu o Tripé (nem percebo bem porque é que chamam isso ao Artur), o que é certo é que começaram a aparecer os dois muita vez juntos, lá pela tasca do Adérito. Ora o escândalo sucedeu numa quinta-feira em que a Etelvina voltou mais cedo da banca que tem na praça de Campo de Ourique. Ela vinha doente porque no dia anterior tinha abusado do feijão carrapato, e não ficou melhor quando apanhou o marido com o cabo-verdiano na cama. Nem queiram saber, saíram de lá os três aos gritos, os dois homens em trajos menores (embora os do Machado fossem bem menores que os do Artur), foi um burburinho na rua, e a Leopoldina, que é uma velhota de 83 anos que vive ao lado deles, desmaiou quando o Artur passou por ela, não sem antes dizer que há muito que não via daquilo. Não sei a que é que ela se referia, mas devia ser à escandaleira.
A Etelvina estava pior que uma fera, e meteu a roupa do Machado toda na rua. Nunca pensei que ele usasse espartilho e cintos de ligas! Muito menos, cuecas fio-dental de renda negra. Podem acreditar, para mim foi um choque saber que o Machado que eu já conhecia há tantos anos, agasalhava!
Mas também acho que devia ter havido um bocado mais de decoro da parte da Etelvina, que veio para a tasca contar todos os pormenores do grave acontecimento. Eu ainda me chateei com ela, porque quando lhe perguntaram o que se tinha passado, ela disse que tinha apanhado o Artur a desentupir o algeroz ao marido, e eu perguntei-lhe se afinal o Artur era trolha ou era canalizador, e ela olhou para mim e disse- me:
- Tás armado em totó, ou tás-me a gozar?
Eu fiquei com cara de parvo a olhar para ela, mas depois quando ela explicou os detalhes, eu lá percebi que ela estava a usar uma figura de estilo.

Agora o Machado está a viver na pensão da Adozinda com o Artur. Fazem um lindo par, é o que vos digo. Nunca esperei foi ver os dois a entrarem pela tasca de braço dado. Ganda lata!
Só faltava agora a Etelvina começar a fazer-se ao piso à minha Elisa!
A propósito de Elisa, a tia dela não me larga com a porcaria da história do “compromisso sério”. Até me preparou um jantar “especial” no domingo passado. Ainda me ando a recuperar dele!

Escrito por: VdeAlmeida, em 5/04/2005 09:33:00 da manhã | Permalink | |


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