Novos Voos - Take Two

terça-feira, outubro 12, 2004
Querido Diário - XVI

Como tinha decidido para bem da minha saúde, nos últimos tempos as minhas relações com a Elisa têm-se mantido numa esfera estrictamente platónica, mas mesmo assim não se pode dizer que não tenha influência nos meus dias. A verdade é que não resisto a assistir todos os dias às sessões de ginástica, que agora são bi-diárias. Logo de manhã, abro ligeiramente as persianas, pego nos binóculos, e lá anda ela a preparar os apetrechos em cueca fio-dental e wonderbra. São uns pequenos alteres, um step e uma bicicleta estática. Aquilo é tudo muito normal, até que ela começa a executar os exercícios. Eu desconfio que ela sabe que eu a vejo com os binóculos, porque se põe de costas para a janela, e baixa-se muito lentamente, de pernas todas esticadas e ligeiramente abertas, até alcançar os alteres. Aquilo demora para aí dois minutos, o que é um exagero, e não sei se estão a ver em que posição fica, e como a vejo quando está a apanhar os pequenos aparelhos. Fico logo cheio de palpitações ao ver aquela imponência a olhar para mim. Depois não querem que sonhe com meloas!
Não sei se já vos disse, mas apesar do wonderbra ser para aí o 44, aquilo é tudo muito firme, parecem dois Gibraltares gémeos. Pois ela agora arranjou aquela coisa do step e farta-se de dar saltos. Ora aquilo tudo muito firmezinho a dar saltos a compasso, para cima e para baixo, faz-me disparar a tensão, e lá se agudizam as palpitações. E isto, de manhã e ao anoitecer!Já fui ao médico e ele disse-me para ir todos os dias à farmácia controlar a tensão, diz que não entende como, de repente, fiquei assim! Pois, mas eu entendo perfeitamente.
Agora, só nos vemos no café 33. Ela sorri-me e deita-me aquele olhar lânguido que me deixa paralisado. Noutro dia, pôs-se ao balcão à minha frente a pedir o café, mas sorrateiramente, foi chegando o para-choques traseiro para trás até se encostar completamente a mim. Bem! Fiquei de tal maneira que tive que vir a correr para casa tomar um duche gelado. E ela ficou com um sorriso malvado no rosto, que eu vi bem.
Se calhar não resisto, e um dia destes decido-me a convidá-la para um fim-de-semana à beira-mar. Espero que não leve a tia. E vou falar já com um mediador de seguros que há aqui.
*****
Ontem encontrei o Romão, que tem um talho aqui na rua de cima. Pois ele é careca, só assim com uns cabelos de lado, género Sto. António, mas mais ralo. Quando aparecia, toda a gente dizia: “Olha, lá vem o Mona Lisa”. E ele quando soube ficou piurso. Chegou a ameaçar que acabava com o livro dos fiados, o que seria uma espécie de terramoto, no sistema económico do bairro. Mas como ninguém ligou muito, e ele também sabia que assim ia à bancarrota, que sempre vale mais receber atrasado, do que não vender nada, resolveu o caso doutra maneira. Começou a deixar crescer o cabelo de lado e atrás, e depois puxava-o para cima, de modo a cobrir a careca, fixando aquilo com um gel qualquer. Foi pior a emenda que o soneto. Começou tudo a chamar-lhe Professor Herrero, e cada vez que ele passava, parecia que tinhamos ali um bando de Muttleys a rir-se.
Até que aqui há uns tempos veio ter comigo e perguntou-me se eu sabia onde é que o Carlos do Carmo tinha feito o implante capilar e eu disse que achava que tinha sido em Londres. Ora ele lá fez contas e achou que era muito caro, e acabou por se decidir a ir a um cabeleireiro especializado que viu num anúncio do 24 Horas. Nem imaginam, o Romão agora parece o Elvis Presley, mas com mais cabelo. Tem uma trunfa que parece um ninho de cegonhas no cimo de um poste de alta-tensão. Veio todo vaidoso para me mostrar a obra de arte:
- Ficou uma pinta do caraças, não achas? mas eu fiquei de tal modo impressionado que nem me consegui pronunciar. Fiz-lhe gestos para que ele soubesse que estava afónico. Agora quero ver qual vai ser a alcunha que lhe vão pôr. Estou mesmo com curiosidade, que a imaginação desta gente é um espanto.
*****
Quem veio hoje ter comigo muito irritado foi o Simões. O Leonardo deixou-o em mau estado, durante uns dias parecia um pássaro Ui-Ui, mas agora já está quase recuperado
- Uma nota breve para vos esclarecer sobre esta notável ave, o pássaro Ui-Ui. Para ser sincero, duvido um bocado da sua existência, mas o Cristóvão taxista, que me falou dele, garantiu que tinha visto um programa sobre o animal no canal da National Geographic, e como o dito é originário da Austrália, eu lembrei-me dos ornitorrincos, e já não achei tão estranha a existência de semelhante ser. Bom, disse-me o Cristóvão que o Ui-Ui é um pequeno pássaro, com asas atrofiadas, o que o faz deslocar aos saltos. Em contrapartida, disse-me ele, o animal tem uns testículos enormes. Ora está bem de ver que cada vez que dá um salto, bate com os testículos no chão, o que o faz soltar os doloridos Ui’s que lhe dão o nome.
Dada a nota devida sobre o singular animal, prossigamos então.
Pois o Simões ficou ontem sem o cartão Multibanco, daí a irritação.
- Já viste? O sacana do anão ficou-me com o cartão. Enganei-me no código 4 vezes porque o cartão não é meu e eu pelos vistos não saquei o código bem à Etelvina, e o gajo gamou-me o cartão. E logo agora que eu queria ir a Guimarães comprar as Calças Sexuais.
Bem, foram tantas seguidas, que eu nem sabia que dizer. Comecei pelo fim.
- Mas o que é isso das Calças Sexuais?
- Não sabes? Foi o Adolfo que foi a Guimarães aqui há dias, e achou aquilo tão porreiro que até tirou uma fotografia. Queres ver?
Queria, claro

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- Pronto, aí tens. Isso é um achado. E a mim, davam-me jeito. Já sabes que as gaijas não me largam, e elas gostam de novidades
- Pois é. Depois acontecem-te coisas como a trepa que levaste do Leonardo.
- Ah! Isso foi azar. Sabia lá que o gajo já não usava penico!?
- Mas ouve lá, ainda voltando à vaca fria. Que história é essa de dizeres que foi um anão que te ficou com o cartão?
- Claro que foi o anão! Não sabes que eles têm um anão em cada Multibanco? Ou achas que eles iam põr uma pessoa de tamanho normal num cacifo tão pequeno?

Bem, nem coragem tive para lhe perguntar como é que ele tinha o cartão da Etelvina, a mulher do Leonardo. Mas aposto que não foi ela que lho deu expontâneamente.

O Romão talhante de quem falei acima tem muitos conhecimentos e foi o único que conseguiu vender miudezas de vaca quando foi da crise das vacas loucas. Acho que é ele o grande responsável pelo estado a que chegou a sanidade mental aqui do bairro.

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/12/2004 02:27:00 da tarde | Permalink | |


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