Nem sei por onde começar, mas se calhar é melhor deixar a parte do jantar para o fim, porque tenho que apanhar embalagem.
O Aníbal trouxe-me uma novidade da sua viagem a Espanha. Mostrou-me uma fotografia que se deu ao trabalho de tirar em Espanha. Foi a um sinal de trânsito, e eu já o conhecia, mas estranhei que lhe tivesse dado para fotografar o sinal
- Passámos por ele, e até pedi ao motorista para parar, se passássemos por outro igual porque queria fotografar.
- Mas porquê? Isto é o sinal de que há um pequeno desvio na estrada para os condutores puderem descansar, nas longas viagens.
- Isso cá não sei. Sei é que eles copiaram isso. Esses gajos dos espanhóis copiam tudo por nós.
- Como?
- Sim, nós tínhamos lá um igual na repartição, que o nosso chefe arranjou. Foi assim, nós íamos para a casa de banho ler "A Bola" à vez, e passávamos a manhã aquilo, ia um, ia outro, muitas vezes, 3 ao mesmo tempo e ele disse que aquilo não podía ser, que era uma balda e que sabia o que eram as nossas idas à casa de banho, e que ia estabelecer uma hora de "cófibreique". E então arranjou esse sinal, que às 10 da manhã metia em cima da secretária, e tirava às 11 e meia. E disse que aquele era o sinal da "Hora de arrear a calça e ler o jornal". E já viste que é o que o boneco do sinal está a fazer? Tá ou não está a arrear a calça e a ler o jornal?
Bem, estas descobertas do Aníbal estão para além da minha compreensão.
Mas agora ando com receio que o futuro dele não seja lá dessas coisas. O Venâncio disse-me ontem que decidira pôr na montra uma lista com os calotes do café 33. E mostrou-me: a Amélia por exemplo, deve 82,20€ referentes a 64 queques, 64 cafés e 33 brigadeiros. E a lista segue com todos os detalhes e bem comprida. Acho que é um disparate, porque pelo que vi, muito poucos frequentadores não constam da lista, pelo que o Venâncio, por motivos tão irrisórios, sujeita-se a ficar com o café às moscas. Mas o que achei mesmo estranho foi um calote que o Anibal lá tem que dizia:
180€ - "moedas para a máquina". Perguntei-lhe que era aquilo e ele disse que eram moedas que o outro lhe pedia para meter na máquina de preservativos que um vendedor o convenceu a meter no café.
Eu disse-lhe:
- Mas isso é muito preservativo!
- Pois é, dois por dia, mas nunca tinha dinheiro trocado para a máquina. E o Aníbal era o único freguês, aquilo foi um barrete que apanhei, só me deu prejuízo. Foi da altura em que andou em cavalarias com a padeira.Ele é que praticava e eu é que pagava o material desportivo!
- Mas se você lá mete isso, a Amélia dá cabo dele!
- Ná! Ela já sabia. Foi na altura em que ela andava enrolada com o Simões, de modo
que lhe convinha fazer vista grossa.
Por esta não esperava eu! Ah! grande Simões. Não só petiscava em casa do Leonardo na sua ausência, como ainda fazia umas surtidas a casa do Aníbal. Por isso é que cada vez que o apanhava no café fazia questão de lhe pagar o café e o bagaço!
Agora por isso, o Simões continua desaparecido
O Vidal apareceu ontem com a cabeça toda entrapada, parecia um queijo da serra.
- Bom dia, sr. Vidal. Teve algum acidente
- Foi um acidente doméstico, na noite passada. Escorreguei e bati com a cabeça na mesa de cabeceira.
Arranjei uma desculpa, desejei-lhe as melhoras e virei-lhe as costas que me estava a dar uma grande vontade de rir, mas ao mesmo tempo todo lixado. Logo nessa noite que eu não tinha usado os binóculos é que o gajo errara o salto de maneira espectacular.
Bem dizia a Elvira, que é a vizinha dele do rés do chão que achava que por volta da uma da manhã, já estava deitada há um bocado e sentira um violento tremor de terra e ficou muito admirada por ninguém mais ter dado por isso. E claro, o Vidal na altura não se descoseu.
Já vi que não me safo do jantar.
Devo dizer que as surpresas começaram mal cheguei para buscar a Elisa. Levei um pequeno ramo de rosas para a tia, e para ela um raminho de violetas que é a minha flor favorita, juntamente com o amor-perfeito. Acho que ela estava à espera de orquídeas porque disse que as violetas tinham um cheiro muito activo. Grande lata,
para quem usava Poison!
Bem, mas quando a vi até sustive a respiração durante alguns 3 minutos. Trazia um vestido de seda preta muito justo, acho que era para aí uns 2 números abaixo do aconselhável, e com um decote até ao umbigo, debruado com uns folhos vermelhos.
Olhei-a e não consegui perceber como aquilo tudo estava tão em cima, porque não lhe vislumbrava sequer sombra de wonderbra. Enfim, aquilo era tudo muito redondo, muita curva e contra-curva, ainda por cima, empinada nuns sapatos da mesma cor com salto agulha para aí de 15 cm. Nunca tinha visto uma tal concentração de armas ofensivas.
Aquilo era pior que um arsenal!
Depois, a pintura era a condizer, uma mistura de japonesa com comanche preparada para executar a dança da chuva. Embora achasse exagerada a pintura dos olhos, aqueles beiços pintados de vermelhão a dar com os folhos, eram um pecado e até parecia que tinham iman (só o perfume me mantinha à distância). Quando descemos as escadas, eu ia à frente, só ia à rasca com medo que ele se pudesse desiquilibrar dos altos, e me cair em cima. E felizmente que não aproveitou para fazer nenhum avanço, porque naquela escada tão estreita, teria sido trágico, mesmo mortal.
Desta não trazia Poison, embora fosse um perfume do género, acho que era o Tendre Poison, o que na prática vinha a dar no mesmo. E mal cheguei ao carro, abri as janelas todas. Ela disse que estava fresco, mas lá a convenci que estava uma bela noite de verão e que tinha o ar condicionado avariado (mentira, claro). De qualquer maneira, não me livro de ter que mandar lavar o carro por dentro, que agora toda a gente se recusa a lá entrar.
A viagem correu razoavelmente, só falhei uma meia dúzia de vezes a 4ª (fugia-me sempre a mão para a marcha atrás, que fica mesmo ao lado), mas isso parece que já é sina, quando a Elisa me entra no carro.
Bem, e acho que o jantar propriamente dito, fica para a próxima ou assim, porque olhei agora para o relógio e está na hora da fisioterapia.