Novos Voos - Take Two

terça-feira, outubro 10, 2006
A vida como ela é - III
000000001 Gato


Da parte de Julia, o sentimento brotou incontrolável. Tinha sido como um raio, a paixão que aquele homem tão diferente de todos os que faziam parte do seu círculo de vida, com o seu cheiro a colónia fina e a tabaco caro, lhe fizera crescer no peito. A atracção foi imediata, e a sua ingenuidade fez o resto. Ela, menina, aceitou feliz a dádiva do destino e entregou-se sem medos.
Carlos era definitivamente e nas diversas vertentes da vida, um pragmático. Ou, pelo menos, fazia um esforço por sê-lo. “Toda a gente sabe que o cérebro se deve sempre sobrepor ao coração, isto sendo verdade que fosse o coração determinante em mais alguma função vital, que não o bombear de sangue para todo o corpo, inclusive o cérebro”, costumava reflectir. Na dele, considerava que dar confiança aos impulsos sentimentais, era passo para um sofrimento indesejado.
Assim, estava fora de todos os seus planos, envolver-se sentimentalmente com quem quer que fosse, ou mais precisamente, que num eventual envolvimento amoroso, nunca haveria da sua parte qualquer investimento. Isto, até ao dia em que conheceu Júlia. Nessa altura, começou a ponderar uma reavaliação dos seus conceitos.
Só aquela presença morna, o olhar tímido, quase envergonhado, era suficiente para lhe acelerar o coração, e se não era amor o que sentia, então certamente aquele, seria um sentimento que jamais sentiria. De certo modo, sentiu-se grato por a vida lhe contrariar a linha de rumo que traçara. E na primeira noite em que a apertara nos braços, uma noite cálida em que o luar intenso irrompia pela janela e atravessava os cortinados leves e transparentes, iluminando-lhes os corpos e fazendo-os parecer sombras chinesas movendo-se num ritmo lento, teve a certeza que se a felicidade existia, ela estava ali deitada junto a si.
E no entanto, havia uma sombra que não se lhe apagava do olhar, e que resistia ao cerrar das pálpebras provocado pelo sono e o cansaço.

Foto de Kasia Krynski

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/10/2006 03:23:00 da tarde | Permalink | |


2 Comments:


  • At 10:09 da manhã, Blogger Menina Marota

    Há momentos inquestionáveis...viver uma paixão é esse momento... e, ou se acorda feliz... ou de um pesadelo...
    Espero que o acordar de Júlia tenho sido de felicidade...

    Beijo e bom domingo:)  
  • At 7:11 da tarde, Anonymous Anónimo

    Yardbird said...
    Passeando hoje pelos jardins de S.Pedro de Alcântara recordei-me repentinamente da minha juventude.
    Eu andava no Pedro nunes e costumava descer a Calçada do Combro até à Travesa dos Pescadores onde havia uma fábrica de bolos.
    Todos os dias ia lá para comer um bolo fresquinho.

    Pelos jardins da minha infância
    Me perdi
    Encontrei-te
    Com o teu vestido de organdim
    Levei-te ao baile
    Tinhas o ar ingénuo de virgem
    E os cabelos loiros
    Caiam-te sobre os ombros
    Onde demoradamente
    Poisei a minha boca

    Desta vez não posso estar de acordo contigo Florence, a Tatiana é capaz de ganhar. Capaz!


    Isto escrevi eu, num post intitulado Popelees, espero que tenha alguma coisa a ver contigo.
    Quero eu dizer, se te consegui apanhar o "estilo".
    Xoac Passarinho

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