Da parte de Julia, o sentimento brotou incontrolável. Tinha sido como um raio, a paixão que aquele homem tão diferente de todos os que faziam parte do seu círculo de vida, com o seu cheiro a colónia fina e a tabaco caro, lhe fizera crescer no peito. A atracção foi imediata, e a sua ingenuidade fez o resto. Ela, menina, aceitou feliz a dádiva do destino e entregou-se sem medos.
Carlos era definitivamente e nas diversas vertentes da vida, um pragmático. Ou, pelo menos, fazia um esforço por sê-lo. “Toda a gente sabe que o cérebro se deve sempre sobrepor ao coração, isto sendo verdade que fosse o coração determinante em mais alguma função vital, que não o bombear de sangue para todo o corpo, inclusive o cérebro”, costumava reflectir. Na dele, considerava que dar confiança aos impulsos sentimentais, era passo para um sofrimento indesejado.
Assim, estava fora de todos os seus planos, envolver-se sentimentalmente com quem quer que fosse, ou mais precisamente, que num eventual envolvimento amoroso, nunca haveria da sua parte qualquer investimento. Isto, até ao dia em que conheceu Júlia. Nessa altura, começou a ponderar uma reavaliação dos seus conceitos.
Só aquela presença morna, o olhar tímido, quase envergonhado, era suficiente para lhe acelerar o coração, e se não era amor o que sentia, então certamente aquele, seria um sentimento que jamais sentiria. De certo modo, sentiu-se grato por a vida lhe contrariar a linha de rumo que traçara. E na primeira noite em que a apertara nos braços, uma noite cálida em que o luar intenso irrompia pela janela e atravessava os cortinados leves e transparentes, iluminando-lhes os corpos e fazendo-os parecer sombras chinesas movendo-se num ritmo lento, teve a certeza que se a felicidade existia, ela estava ali deitada junto a si.
E no entanto, havia uma sombra que não se lhe apagava do olhar, e que resistia ao cerrar das pálpebras provocado pelo sono e o cansaço.
Foto de Kasia Krynski
Espero que o acordar de Júlia tenho sido de felicidade...
Beijo e bom domingo:)