Como há muitas tardes, sentei-me no degrau esconso e encostei-me a uma das vigas que sustentava o alpendre. Empenada de tal forma que se parecia ajustar à curvatura das minhas costas de tão habituada a ela que estava. Empenada pela humidade que transpirava do mar mesmo ali em frente, mas também pela idade e o abandono a que há muito estava votada. Tal como o resto da velha casa de madeira, que a cada sacudidela de vento parecia gemer com saudades do dono, e que fazia coro com a cadeira de baloiço, que permanecia no sítio exacto onde o velho nela se sentara há muito tempo atrás.
Por vezes, sopravam brisas suficientemente enérgicas que a faziam ranger. Dependendo do meu estado de abstracção, não raro me sobressaltava com tais manifestações e chegava a imaginar a cadeira ocupada pelo velho, o corpo magro impulsionando-a mansamente, incutindo-lhe um movimento semelhante àquele com que o mar em calmaria sacudia o pequeno bote que se lhe abandonava à deriva, e que lhe era tão familiar.
Mas não, o velho partira. À noite supunha que já devia estar a passar o Estreito de Magalhães, a caminho do Pacífico, a viagem que ele mais gostara de fazer nos tempos em que cruzara todos os mares do mundo, conhecera todas as terras e todas as mulheres. Por vezes olhava para ele e parecia-me um Corto Maltese envelhecido, a pele curtida e tão morena que nem no pino do Inverno perdia aquele escuro, aquele encardido natural. Os olhos, lá no fundo, reflectiam um toque de dureza trazido das noites de mar alto, as vagas a varrerem o convés, e ele firme ao leme, o rumo determinado, inexoravelmente cumprido.
Aqueles fins de tarde solitários serviam-me como uma espécie de curso de meditação transcendental. Com o olhar, com a pele, com todos os sentidos, parecia querer absorver tudo aquilo que me rodeava, queria que tudo aquilo fizesse parte de mim, ou porventura, quereria eu fazer parte daquela paisagem clara que, quando longe, fechando os olhos tanta vez me ocupava a imaginação. Uma casa antiga e clara, só, no meio das dunas claras, como daquelas que ficam à margem das estradas no deserto de Mojave, tudo iluminado por um sol intenso que até o mar tornava tão claro, que, por muitos metros que nele se entrasse, deixava à vista as areias que alagava. Aquela visão era como um postal antigo, esmaecido pelo tempo, sépia, com cheiro a peixe fresco e aos pinheiros bravos que ficavam lá longe, mas não o suficiente que não se lhes sentisse a presença.
E lembrava-me de como o velho muitas vezes cantarolava com a voz rouca e um inglês mastigado de docas e rum, o “The times they are a’changing”. E eu sem saber que aquilo era uma premonição, uma espécie de aviso que breve os meus entardeceres seriam mais solitários, que o vento que corria lento, breve se tornaria suficientemente forte para carregar com ele para fora da minha vida, deixando somente um vazio que não seria nunca preenchido, um travo acre a tabaco no ar e que passado tanto tempo teimava em permanecer, e uma cadeira de baloiço onde nunca mais ninguém se sentaria. Além de algumas considerações sobre a vida que sempre pensei esqueceria a seguir, mas que, afinal, me acompanhariam mesmo à revelia da vontade