A cada dia, vou encontrando em mim o caminho das pedras
Cobre-se a paisagem do vermelho,
do ocre e do perfume da folhagem,
vagueio por caminhos solitários,
e deixo-me sorver pela voragem
deste Outono há tanto desejado,
que deixa as árvores nuas como almas,
abranda veemências e sentidos
e transforma o desejo em noites calmas
Deixo perder o olhar no horizonte,
o tempo não é mais que uma quimera
espero-te sentado, o mar defronte,
ansiando que me dês tu a Primavera
Densa a noite abrasante de luar
cobre-me como um manto sem espessura
roçando-me a pele como veludo
e há esplêndido o teu corpo em movimento
que ao meu se oferece e se costura
numa cromia de desejo incandescente
como se tudo se resumisse no presente
E é este azul intenso que flutua
no espaço que ocupas, leve e nua
e perfuma intensamente o meu olhar
e incendeia sem pudor o madrugar
Buscas-me no local
mais improvável
e no entanto,
como o líquen antigo
invado-te as paredes,
ocupo-te a sombra
entranho-te na minha pele
e estás comigo
tão profundamente
como se os nossos seres
fossem um só
e a vida corresse
alheia a nós, e lentamente
Fotos de Geoffroy Demarquet
Aproxima-se uma data que, provavelmente, determinou o despertar mais efectivo da minha consciência política, o 11 de Setembro. Não o de 2001, mas outro mais remoto e do qual para muitos, não resta senão uma ténue e desbotada recordação, como uma fotografia a sépia.
Nesse dia de 1973, Pinochet e os seus torcionários derrubaram o governo democrático de Salvador Allende respaldados no apoio descarado da CIA e do tão fértil em atentados à democracia, governo de Nixon.
Nesse dia já tão longínquo, mas que a minha memória teima em preservar, a parca saiu á rua vestida com o infame uniforme nazi, esmagou consciências, torturou e assassinou intelectuais e sindicalistas. Executou artistas e anónimos, indiscriminadamente, torturou e matou cantores e poetas para que não pudessem cantar as lágrimas de um povo. A besta transformou os recintos desportivos em campos de tortura e morte, e durante quase duas décadas, sob o olhar condescendente do Tio Sam e seus acólitos, manteve um povo sequestrado, mas nunca calado, sob o peso da bota de uma ditadura canalha e até hoje impune.
- Sendo estranho que ainda não se tenha ainda determinado o número exacto de vítimas do 11 de Setembro de 2001, não será aterrorizante constatar que até hoje, e passados mais de 30 anos, haja ainda no Chile, listas de pessoas cujo paradeiro nunca se conseguiu determinar?
“Venham ver o sangue nas ruas de Madrid. Eram mulheres, homens, crianças, velhos a simples e pura humanidade que começava mais um dia de trabalho, de sonhos, de esperanças, sem saber que a vontade assassina de uns miseráveis tinha decidido que fosse o último. Venham ver o sangue pelas ruas de Madrid, essa cidade amada a que todos chegam e onde todos são bem-vindos.” Isto escreveu Luís Sepúlveda, chileno, longe da sua terra, quando há tempos atrás, se emocionou às lágrimas com a tragédia que atingiu o povo que anos antes generosamente acolhera o exilado político, o cidadão sempre atento a injustiças e às atrocidades cometidas em nome de credos e políticas mais que questionáveis. Isto poderia ter escrito outro qualquer escritor sobre o 11 de Setembro de 1973 em Santiago.
Nesse, como noutros acontecimentos de ingerência descarada na política interna de países soberanos, em que foram cúmplices mais ou menos disfarçados, ou mesmo intervenientes directos e descarados, radica a aparente indiferença com que o resto do mundo assiste á tragédia da população pobre da região de New Orleans, e que parece surpreender alguns observadores.
Mas o que o cidadão comum sente é, não indiferença pelo sofrimento de tantos milhares de seres humanos, eles mesmos segregados no seu próprio país - e as campanhas de solidariedade a correr em todo o mundo, provam-no- mas desprezo pelos mandantes, sempre tão atentos ao que se passa na casa dos outros, a quem pretendem impor os seus valores tidos como indiscutíveis, e incompetentes afinal, para valerem aos seus.
Hoje ,
queria poder
pintar tudo à volta de mil cores
com uns olhos ingénuos
de criança
que são os pincéis
mais belos que há no mundo
e capazes dos tons
mais sedutores
Hoje
queria eu entrar pela calada
em teu jardim
de noite e poesia
colher a mais bela flor
do teu canteiro
e poder guardá-la
cioso, só p’ra mim
Hoje
queria deitar-me na relva
e olhar o sol,
sorrir,
depois, soltar o riso em desatino,
deixar a alma ao vento
e gritar
que a paixão é mais forte
que o destino
Apesar de quase já não existirem os pequenos regatos artificiais, a exuberância da flora de outras terras está presente em cada recanto,
e tomando as formas mais bizarras, umas vezes
outras, transportando-nos a imaginação para paraísos tropicais.
Sobram os recantos aprazíveis, apesar da falta de água se fazer sentir dolorosamente, como aqui, debaixo desta ponte,
que se devia reflectir na correnteza de um pequeno fio de água, do qual só resta o leito estreito, agora tomado pelas ervas.
Entre toda aquela vegetação luxuriante, só consegui vislumbrar este pequeno lago, excelentemente enquadrado na paisagem, mas de águas pouco tratadas.
Notei-lhe também a lacuna de não existir uma esplanada, ou mesmo um pequeno café. Restam os muitos bancos para descansar e usufruir daquela majestade da natureza
Mas como referi, até se dá de barato a falta de água e da esplanada, entregando-nos graciosamente à serenidade que escorre de todos aqueles matizes de verde e terra, ao romantismo que transpira de todos aqueles recantos, e que ainda é poiso preferido para muitos casais de namorados
Nota – À entrada do Botânico, há uma pequena estufa com curiosas plantas “carnívoras”. Um destes dias, deixo as fotos