Diz-me, diz-me só
porque não hei-de passar
indiferente
quando uma mão pequena se estende
aberta à minha frente
Diz-me porque se me orvalha o olhar
quando vejo as minhas crianças
belas, ao sol a brincar
Ou, porque rola uma lágrima
rebelde pela face
quando no escuro do cinema
vejo o Chaplin finalizar
o seu discurso no Grande Ditador
ou assisto ao diálogo de Neruda
com o carteiro a quem ensina
a conjugar o verbo amar
Diz-me porque não hei-de tudo ver
com olhos toldados pela chuva
gelada da indiferença
em que as imagens retidas pela vista
batam em vão,
numa porta de granito intransponível,
que proteja, implacável, o coração