Hoje queria falar da solidão.
Não, não daquela
que vive acompanhada
Que essa é sempre
Dor suave e mitigada
É a concha onde nos fechamos
Quando nos queremos ilha,
só mar à nossa volta
Quando se quer tudo esquecer
até de por um tempo conjugar
O verbo que nos dá o sentido de viver
Amar.
Não, eu não falo dessa
Falo da outra, da espessa
Aquela que se impõe absoluta
Que corre solta, sem travão
A que corrompe corpo e alma
A que oprime e esmaga
Como se fosse uma enorme mão
Que rasga, que tudo torna chaga
A que existe em cada vão de escada
Embrulhada em roupa velha e em cartão
A que percorre a cidade e cada canto
A que tudo seca até o mais leve pranto
O entulho pelo qual passamos tanta vez
Sem notar que por baixo dele existe
Um coração que contra a morte ainda resiste.
Hoje queria falar de solidão
Daquela que sufoca e mata
mas falta-me a coragem
Chove muito lá fora, está frio
Depois...treme-me a mão