"Visitei há alguns anos o campo de concentração de Bergen Belsen, na Alemanha. Percorri no meio do silêncio atroz as valas comuns onde jazem milhares de vítimas do horror, perguntando a mim mesmo em qual delas estariam os restos de uma certa menina que nos legou o mais comovedor testemunho acerca da barbárie nazi e a certeza de que a palavra escrita é o maior e o mais invulnerável dos refúgios, porque as suas pedras são ligadas pela argamassa da memória. Caminhei, procurei, mas não encontrei qualquer indício que me levasse à sepultura de Anne Frank.
À morte física, os verdugos juntaram uma segunda morte, a do esquecimento e do anonimato. Um morto é um escândalo, mil mortos são uma estatística, afirmou Goebbels, e o mesmo repetiram e repetem os militares chilenos ou argentinos e os seus cúmplices disfarçados de democratas [...]
[...]Bergen Belsen não é certamente um lugar para passear, porque o peso da infâmia oprime, e à angústia do "e que posso eu fazer para que isto não volte a repetir-se?" segue-se o desejo de conhecer e contar a história de cada uma da vítimas, de nos agarrarmos à palavra como único esconjuro contra o esquecimento, de contar, de nomear factos gloriosos ou insignificantes dos nossos pais, amores, filhos, vizinhos, amigos, de fazer da vida um método de resistência contra o olvido, porque, como notou Guimarães Rosa, narrar é resistir.
Numa extremidade do campo e muito próximo do lugar onde se erguiam os infames fornos crematórios, na superfície áspera de uma pedra, alguém (quem?) gravou, talvez com o auxílio de uma faca ou de um prego, o mais dramático dos apelos:
"Eu estive aqui e ninguém contará a minha história"...."
Isto escreveu Luís Sepúlveda em "As Rosas de Atacama". É sobre Bergen Belsen, podia ser sobre outro qualquer campo de extermínio, nomeadamente Auschwitz, de cuja libertação se comemoram hoje sessenta anos.
Como ele diz, narrar é o único esconjuro contra o esquecimento.
Por vezes, a humanidade parece mergulhar na letargia, distrai-se, adormece. Há coisas que parecem já estar demasiado longe. Tão longe que até parece que nunca existiram
As gerações mais novas devem saber o que se passou, devem ser alertadas para que um dia pode aparecer um homúnculo de bigode ridículo a tentar impingir-lhes que há homens e mulheres de 1ª e outros de 2ª. Tal como aconteceu há 70 anos, num lugar não muito longe daqui.
Um anónimo escreveu a frase lancinante com que intitulei o post. Se não podemos contar a sua história particular, podemos ao menos recordar aos mais novos o opróbrio colectivo.
Para que lembrem sempre que Auschwitz não é uma lenda