Hoje estou ainda um bocado combalido, e se me enganar e der algum erro de português, ou encontrarem alguma gralha, foi porque se me escorregou a canadiana e eu distraí-me do teclado.
A verdade é que a estadia nas termas não me correu nada como eu imaginava. Começou logo porque a coscuvilheira da tia da Elisa insistiu em ir e lá tive eu que me baldar a mais uma estadia. Mas o pior foi que a velha quis ficar no quarto de casal, e quando eu lhe disse que eu e a Elisa íamos ficar muito apertados na cama de corpo e meio do quarto single, ela ia-lhe dando uma coisinha, e disse que eu nem pensasse em desavergonhices com a Elisa antes da boda (sic) - e aqui faço uma ressalva para dizer que não me refiro ao canal de Tv e sim à expressão latina.
Eu confesso, antes até gostava da senhora, mas agora tornou-se um pesadelo.
Acho que foi depois de um episódio em que ela me perguntou quantos anos lhe dava e eu respondi que não lhe dava nenhum que ela já tinha muitos. A senhora já deve ser do tempo da Monarquia, até porque só uma pessoa que já não é senhora de todas as suas faculdades, mormente a audição, acha a Elisa um poço de talento, mas tem a mania que ainda há-de arranjar marido – acho mesmo que ainda esteve tentada em se bater ao piso aqui ao menino, mas eu cortei-lhe logo as vasas - e depois enche a cara de betume pedra, que eu quando lhe dou um beijinho, agora dou sempre de longe, como as senhoras que aparecem na Caras, porque uma vez fiquei com os beiços cheios de caliça. Faz aquilo para parecer mais nova, mas é pior porque fica parecida com uma múmia. Ah! e usa uns candelabros nas orelhas, tão grandes que acho que são os grandes culpados da senhora já ser um bocado marreca. Bem, mas ela depois desse dia nunca mais foi a mesma para mim.
Ora como eu contava, a ida às Termas não correu mesmo nada bem.
Ah! Mas antes de continuar, quero-vos falar do Andrade que é o merceeiro aqui da zona, porque a Fata falou nos merceeiros da zona dela, que são uns gajos impecáveis, mas não são mais que o Andrade, que ainda é da velha guarda.
Para já, não há nenhuma sopeira (por aqui ainda há algumas) que lá vá e não leve a sua apalpadela, o Andrade diz que gosta sempre de sentir a consistência da fruta, como faz quando a vai comprar ao MARL todas as madrugadas, juntamente com as couves e as alfaces que depois vende aqui ao dobro do preço. Uma vez comentei essa questão dos preços e ele respondeu-me que quem queria comércio tradicional, tinha que pagar o luxo. Claro que tem toda a razão.
Depois, o Andrade também faz uns biscates de electricista e outras coisitas pequenas, e também, e mais importante, ainda tem um daqueles livros de fiados à antiga. Até acho que há lá contas da idade do livro, e olhem que o livro, pelo aspecto, já devia existir quando eu nasci. O que sei é que à conta disso, o Andrade vai-se aproveitando. É assim, há algumas freguesas que lhe vão lá encomendar as coisas, ele toma nota e depois vai-lhes levar tudo a casa, às vezes até bilhas de gás, que ele também distribui. Eu cá não sou de intrigas, mas a algumas freguesas, e por coincidência aquelas que têm o rol de fiados maior, o gajo faz questão, não só de lhes fazer a entrega, como também de lhes arrumar a mercadoria e geralmente demora-se sempre mais de meia hora, que ele diz que é muito arrumadinho.
O pior foi em casa do Benevides. A Clarice, que é a mulher do Benevides, manda apontar no livro, mas para pagar é sempre "amanhã". Ora, eu acho que o Andrade, como fornece géneros, começou a querer cobrar também em géneros. Mas as coisas não correram como ele imaginou.
Quero fazer uma ressalva para vos dizer que isto pode não ser nada verdade, que pode ser só a minha imaginação.
Mas adiante, ele começou a ir entregar as coisas à casa da Clarice, que é mesmo em frente à mercearia. Ora convenhamos que isto não é muito normal, mesmo ela morando no 1º andar e dizer que lhe custa subi-las. Ora o que é certo, é que à 2ª que ele foi lá fazer a entrega, estava ele a meio da "arrumação dos géneros" e apareceu o Benevides, que por sorte (ou azar do Andrade), nesse dia chegou mais cêdo. Não sei o que se terá passado, mas foi um grande reboliço, e o Andrade saíu de lá disparado, atravessou a rua e barricou-se na mercearia porque o Benevides vinha atrás dele com um martelo de bater os bifes. Foi um espectáculo que só visto. Eu estava no café 33, que é na outra esquina, e só ouvi umas coisas soltas:
-Eh! pá! tás enganado, não era nada de mal. A tua mulher disse-me que estava com o algeiroz entupido, e eu estava a preparar-me para lho desentupir, agora que está bom tempo.
-Era, meu sacana? E para fazeres isso estavas com as calças arreadas pelos calcanhares?
-Eh! pá! Lá tás tu desconfiado.É que eu gosto da roupa folgada e ao esforçar-me um bocadito mais, soltou-se-me o cinto e escorregaram as calças.
-Ai, era? E a Clarice com o baby-doll cor de rosa, com dois berloques de cada lado que ela só usa nos dias de festa, era para quê? Para estar mais à vontade para te ajudar a meter o escuvilhão?
Só vos digo que aquilo durou até á noite, e por muitas explicações que desse, o Andrade ficou com os vidros da montra partidos e a Clarice com um olho negro. Mas foi remédio santo, de um dia para o outro, desapareceram os fiados da Clarice, da lista do Andrade.
E aquilo teve outras repercussões, o Andrade, que habitualmente é galhofeiro, andou uns dias mal-disposto. Um dia até foi mal-educado com o Venâncio, o dono do café 33.
Foi assim, ele entrou no café e disse para o Venãncio:
-Oh! Venãncio, não se importa que utilize a sua casa de banho? É que a feijoada que comi ao almoço na tasca do Adérito, não me caíu nada bem e o meu autoclismo está avariado.
O Venâncio gosta sempre de ter o W.C. limpinho, de maneira que, como já sabe como é a freguesia, fecha-o à chave, e guarda-a, só a dando aos fregueses de confiança. E para ele, o Andrade não é de confiança.
De maneira que o olhou desconfiado, mas lá condescendeu e entregou-lhe a chave. Ora o Andrade lá entrou, e poucos segundos depois parecia que havia trovoada. Bem, nem vos conto, aquilo pareciam os efeitos sonoros de um filme-catástrofe americano!
Ora o Venâncio é muito cioso do seu café e defensor do ambiente, e disse:
-Eh! Lá! Temos concerto, oh! Porco?
-Que é que foi? Se calhar aqui querias ópera, não?
Claro que aquilo foi o fim das relações entre os dois comerciantes, que o Venãncio gosta muito de respeito, e nunca ninguém o tinha tratado por tu, antes
Bem, com estas histórias do Andrade, perdi-me e não vos contei a estadia nas Termas. Fica para a próxima, que agora tenho que ir ao Posto de Enfermagem mudar os pensos, e a seguir à consulta de oftalmologia