Novos Voos - Take Two

sexta-feira, outubro 29, 2004
Rio de desejo

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Sela-me os lábios ávidos
com beijos
Não lhes permitas
nem um só queixume
No teu colo ansioso
esgota-me os desejos
E deixa-me amanhecer de novo
em teu perfume
Aponta-me ao coração aberto
o indicador
Dispara com paixão
e mata-me de amor

Dear Heather
Please walk by me again
With a drink in your hand
And your legs all white
From the winter
(Dear Heather, by Leonard Cohen)

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/29/2004 08:54:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
quarta-feira, outubro 27, 2004
Hoje lembrei-me de ti

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Hoje, como em tantos outros dias, lembrei-me de ti. Não sei porquê, mas lembrei-me de ti e desta não o quis calar para mim, quis que o soubesses. Lembrei-me de como já eras velho, engelhado pelos anos e pela rudeza das serras quando te conheci.
Lembrei de como eras pequeno, magro, quase com os ossos a perfurarem-te a pele. E no entanto, lembro-me também que te sobrava força e genica para submeteres os animais, que te obedeciam sempre com um olhar baixo, transparecendo receio. Recordo-me dos safões de pele de cabra ajustados às pernas, para que os cardos dos caminhos indefinidos que percorrias não te martirizassem as pernas, e a camisa de flanela grossa, a cheirar a eucalipto.
Recordo também as botas grosseiras, sempre soberbamente sujas que te obrigavam a deixar á porta para não sujares a casa, e do pequeno bigode, parecido com o do funesto algoz germânico.
Se fosse agora, talvez te dissesse para lhe alterares a forma, para evitar conotações. Mas na altura, nenhum dos dois fazia sequer ideia da existência de tal ser. E depois...não, não diria nada, que se lixassem as opiniões, é assim que te recordo, aquilo fazia parte de ti. Como fazia o sorriso fugidio, quase envergonhado que de quando em vez te compunha a face, e se estendia aos olhos pequenos e profundos quando alguma coisa simples – sempre coisas simples, que nunca foste de complicações – te satisfazia.
Lembro-me como te sentia os calos quando me pegavas na mão – como eu achava enormes, as tuas - e me levavas a passear pelos campos a cheirar a seiva fresca dos pinheiros e a rosmaninho, e me mostravas como se recolhia o mel das abelhas e se caçava o coelho bravo. Ou como espantavas as raposas que te ameaçavam as capoeiras, e defendias os redis da ameaça dos, já então, escassos lobos - lembras-te que, numa noite passada no monte,e vindo de tu de montar armadilhas às raposas, me vieste encontrar refugiado no cimo de uma figueira transido de medo, porque os ouvia uivar ao longe?
Hoje lembrei-me de ti, não sei porquê. Talvez porque, mais uma vez, li aquele excerto do Eternamente, do Miguel de Sousa Tavares:

E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.”

Sim, tu és um dos que caminham comigo. Enquanto eu viver, não te deixarei morrer, viverás comigo. Não te acontecerá o que acontece a tantos como conta, num artigo de uma crueza atroz, Luis Sepulveda:

Aquilo que se nega não existe e, portanto, é algo que não nos deve preocupar. Foi essa a lógica da propaganda nazi e até agora não deixa de ser imitada de cada vez que a humanidade é colocada no fio da navalha. Nos Estados Unidos desapareceram as fotografias dos mortos calcinados no deserto iraquiano durante a operação "Tempestade no Deserto", e as arrepiantes cenas de outras guerras, como as do Vietname ou Afeganistão, não se encontram em nenhum meio de comunicação. Até foram desterradas dos arquivos pagos da Internet.
O destino dos mortos é a solidão e o esquecimento
.”

Não, a ti, ninguém apagará da fotografia. O teu destino não é a solidão e o esquecimento, porque eu ainda hoje me lembrei de ti.

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/27/2004 09:27:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
segunda-feira, outubro 25, 2004
Pensamento

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À beira do mar
me sento
Estendo as mãos
Acolho o vento
E liberto
o pensamento
Que deixo solto
sem tempo
Correndo ao sabor
do vento.
E na maré
que se enche
Encho-me eu
de atrevimento
E ordeno
o pensamento
Dou-lhe tempo
Aviso-o que
tenha tento
E sempre
lhe vou dizendo
Que se é tempo
de tormento,
Passa ao largo,
pensamento
Também não quero
lamento
Que não é esse
o meu tempo,
Passa longe,
pensamento

Mas se for de amor,o tempo
Corre lento, pensamento,
Porque já é breve o tempo
que nos sobra, pensamento.

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/25/2004 09:11:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
Querido Diário - XVII

Como disse, a Clotilde já descobriu que o Renato andava mesmo com uma gaija. Ela descobriu, quando o Renato aqui há uns dias apareceu em casa às 5 da manhã enfrascado e ela teve que o ajudar a despir. Então não é que ele trazia uma cuequinha fio-dental vermelha da Sloggi? E rendada!Ela enfiou-o na banheira e espetou-lhe com um duche gelado, e não o deixou sair sem ele confessar tudo. Parece que ele com a piela vestiu as cuecas que não eram as dele, que ele só usa boxers porque diz que não gosta de andar com a salada apertada. Mas desta, quem lha apertou foi a Clotilde, que não lha largou enquanto ele não contou tudo. O pior é que a conclusão ainda foi pior do que o que ela esperava. Quando lhe perguntou como se chamava a gaija, ele respondeu-lhe:
- Arnaldo!
A Clotilde ia morrendo. O Renato andava metido com uma drag-queen.Foi um escândalo dos antigos. Para o castigar, ela pegou na colecção de arte erótica dele e atirou-lha pela janela. Ele ainda veio a tempo de apanhar tudo, mas como ela agora não o deixa ter aquilo em casa, pôs-se a vender tudo ao desbarato nos fundos da taberna do Albertino, com um ar muito desgostoso. Aquilo não me interessa nada, mas como lá passei, aproveitei para dar uma vista de olhos, e realmente havia coisas interessantes, embora algumas não me parecessem originais. O Playboy nº1, a colecção inteira da Penthouse e da Hustler, uma foto com dedicatória e autografada da Samantha Fox (coitada, ao pé da Elisa parece uma tábua de engomar), uma colecção muito completa de filmes hard-core em VHS que inclui o célebre Branca de Neve e os 700 matulões, que parece que é um filme-culto no género, umas mini-cuecas pretas usadas, da Pamela Anderson (a cheirarem a Poison? aquele cheiro pareceu-me familiar), um conjunto de soutien, cuecas, cinto de ligas e máscara da Cat-Woman, tudo em cabedal, um chicote e um par de algemas (não percebo para que queria ele aquilo, o Renato nunca foi polícia) e mais uma quantidade de utensílios aos quais, por muito que desse volta à imaginação, não lhes encontrei aplicação. Fiquei com os olhos nuns sapatos negros com um salto agulha de pelo menos 15 cm. Agora já percebo o porquê das marcas que por vezes o Renato exibia no peito, quando andava de camisa aberta. Para não parecer que não estava solidário com ele na desgraça, acabei por lhe ficar com uma boneca insuflável, para oferecer a uma sobrinha minha que faz colecção de Barbies.

Bem, mas deixemos o Renato e a sua desventura, coitado. Já bem lhe basta a vergonha porque passou.

Desta vez tive a sorte pelo meu lado. Bolas! Já dava por mal empregue o dinheiro que investi nos binóculos. Pois na 2ª feira passada estava a ver quando aparecia a minha Elisa para os seus exercícios de ginástica, mas o professor de canto parecia que queria fazer serão, e insistiu com a Elisa num exercício vocal mais de 30 vezes. Não sei se estão a imaginar, mas o meu gato, mal ouve os primeiros acordes do piano, dá um salto do sofá, solta um miado sofrido e vai de escantilhão para as traseiras, onde se esconde debaixo de um móvel (até já lhe imaginei um castigo para quando me voltar a mijar no tapete de entrada: fecho-o da parte de fora da varanda na hora da lição da Elisa. Só tenho medo que me parta algum vidro, ou se precipite do 3º andar para a rua).O resto do quadro também é um espanto: a velhota do 2º direito do prédio da Elisa,que é surda que nem uma porta, vem para a janela com o maço de algodão, mete dois bocados nos ouvidos, e depois enfia um capacete de motociclista na cabeça, apertando-o bem apertado. Os do 2ª esquerdo, usam uns bonés daqueles de ski com orelhas e também vêm para a varanda, quer chova, quer não, e de lá não saem enquanto o professor Abílio não se vai embora.Eu cá acho que as lições estão a fazer bem à Elisa, está cá com uma potência vocal...aqui há dias, estava eu à janela e aparece ela. Como sabem, moramos no 3º andar, um em frente ao outro, e a rua não é muito larga. Mandou-me um sorriso daqueles e começou a aquecer a voz. Ela foi tão simpática, que nem tive coragem de me meter para dentro. Antes o tivesse feito: mal começou a cantar a sério, mandou-me com um "si" tão forte, que eu fiquei logo penteado para trás. Até senti os cantos dos olhos a serem repuxados. E só não levei com outro botão na vista, porque me desviei a tempo.Até já disse à Ermelinda que tem o cabelo encarapinhado e gasta uma fortuna para desfrisar o cabelo, para pedir à Elisa que lhe cantasse um bocadito, mas ela não aceitou a sugestão, não sei porquê.
O pior é que agora já andam a fazer correr outro abaixo-assinado contra a minha ave canora: cada vez que ela dá uma nota mais agúda disparam os alarmes dos carros todos aqui da rua, e aqui há dias, até disparou o alarme de uma agência bancária da rua de cima.
Quem também anda feliz, é o Marcelino, o vidraceiro. E não é para menos, o negócio nunca lhe correu tão bem

Bem, mas como ia contando, estava eu à espera da sessão de ginástica e ia dando uma volta com os binóculos quando calhei a dar com a janela do Vidal. Pelos propósitos dele com a mulher, vi logo que ia haver "festa" e já não arredei dali. Lá se desapegaram e ela foi para a cama. Mas a chatice é que da minha janela não dá para ver a cama toda. Só lhe via os pés. Foi então que o Vidal tirou os óculos, baixou os slips e subiu para cima do psiché. O pior é que ele sem óculos não vê nada, acho que ele usa para aí 7 dioptrias em cada olho, pôs um pé em cima de um pratinho de casquinha cheio de rendilhados e aleijou-se. Mandou um berro e agarrou-se ao pé. Via-se logo que estava á rasca. Só que se desiquilibrou e ele caiu do psiché abaixo. Como não via nada, nem sabia onde se agarrar, meteu as mãos à frente, mas bateu com as partes baixas numa das maçanetas que a cama tem em cada canto, e então é que foram elas. Até me arrepiei todo. O desgraçado "cantava" mais alto que a Elisa. Daí a pouco chegou uma ambulãncia, deve ter sido a mulher a chamar. Nem imagino a explicação que eles terão dado à equipe médica.O que sei é que encontrei o Vidal ontem à tarde. Parecia que tinha andado a montar um cavalo selvagem em pêlo durante duas semanas seguidas. E no café 33 nem se sentou como é costume. Bem tentou, mas levantou-se num salto, parecia que tinha um furúnculo em estado terminal, no rabo.

Acho que o Vidal nunca mais vai poder ser pai.
Querem ver que é desta que ele desiste dos "voos" nocturnos?
Bem dizem que a felicidade é uma coisa frágil. Lá se me acaba mais um divertimento nocturno.

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/25/2004 04:24:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
sábado, outubro 23, 2004
Reflexo

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Aqui, onde o meu rio se confunde com o mar
Dissolvo o olhar pelo imenso azul do horizonte
Mas sei que só no reflexo do brilho dos teus olhos
Saberei encontrar a significação do verbo amar

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/23/2004 11:46:00 da manhã | Permalink | | ( 0)Comentários
quinta-feira, outubro 21, 2004
Pequena morte, ou a escada para o paraíso

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Alongam-se-me os dedos
numa busca desvairada
Procura sempre a tua
a minha boca ávida, sequiosa
Escorre-me dos lábios
o mel que te transborda
Moldo as mãos no redondo
perfeito dos teus seios
E acolho-me no ventre
que me aguarda palpitante
Levando-me ao auge do desejo
que corre à desfilada
E é assim, num combate
corpo a corpo delirante
Que ocorre a minha morte,
pequena, transitória, gloriosa

And as we wind on down the road
Our shadows taller than our soul.
There walks a lady we all know
Who shines white light and wants to show
How everything still turns to gold.
And if you listen very hard
The tune will come to you at last.
When all are one and one is all
To be a rock and not to roll.
And she's buying a stairway to heaven.
(Led Zeppelin)

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/21/2004 09:17:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
quarta-feira, outubro 20, 2004
Banda Desenhada
E para que não restem dúvidas
Que não sou mal agradecido
Sempre vos tenho a dizer
Que na banda desenhada
Que li muito e ainda leio
Também tenho um preferido
Gostei muito do TinTin
Do Astérix nem falo
Muitíssimo do Lucky Luke
De cigarro e assobio
Mas bem à frente de todos
Mesmo à frente do Garfield
E da Mónica que não esqueço
Está o meu querido Piu-Piu

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Escrito por: VdeAlmeida, em 10/20/2004 05:01:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
terça-feira, outubro 19, 2004
Contos de Encantar
Quando eu era uma criança
Todas as noites ao deitar
Se sentava a minha mãe
bem à beirinha da cama
E me lia suavemente
Belos contos de encantar
Contava de Nerverland
de Peter Pan e de Gancho
Sabia de trás prá frente
a da Bela Adormecida
dos Três Porquinhos e o Lobo
Do Capuchinho Vermelho
E do seu salvador valente
De todas elas gostava
E pedia com insistência
para ela mas repetir
Mas só agora, já adulto
Tarde, consegui descobrir
Porque só com a Branca de Neve
Eu conseguia dormir

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Escrito por: VdeAlmeida, em 10/19/2004 09:03:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
segunda-feira, outubro 18, 2004
Sabor

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Trago sempre comigo,
fundo o teu sabor
Como uma marca indelével
de nascença
Tão preso a mim
como presa está a minha pele
Como se fosse eu frasco
e tu a essência
Um sabor que me devora
cada ínfima parcela
Aflora-me aos lábios,
extravasa-me da alma
É o gosto de um sabor
de amor que exalta
É voragem intensa, bela
que me sacia todos os desejos
E por fim, me acalma
Quando me afogo, sedento
nos teus beijos

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/18/2004 06:40:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
domingo, outubro 17, 2004
Mesa dos sonhos

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Mesa dos sonhos

Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando
De novos sonhos a vida.

(Alexandre O'Neil)

Hoje estou de folga.
Deixo-vos o O'Neil, que fala por mim, e muito melhor do que eu o faria


Escrito por: VdeAlmeida, em 10/17/2004 10:11:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
quinta-feira, outubro 14, 2004
Fruto

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Em lençois de seda e aromas de jasmim
Aguardo assombrado, o desejado fruto
Que na brisa da noite me preenche o sonho
Quando me espalha no peito a sêda do cabelo
Me sussurra segredos que a ninguém revelo
E entoa canções de amor só para mim

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/14/2004 10:41:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
quarta-feira, outubro 13, 2004
Noite de ti

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Dobro-me, desdobro-me, enlaço-te
Em noite de lua azul e tentação
Cubro-te, descubro-te, abraço-te
Reconheço o teu corpo em cada traço
Rio intenso, aluvião de amor e de paixão
Deriva de almas em delírio, soltas
Osmose perfeita da minha pele na tua
Madrugar de desatinos e suores
Orgasmo cósmico de estrelas e de cores
Desaguando em mar perfeito de cansaço

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/13/2004 08:32:00 da tarde | Permalink | | ( 1)Comentários
terça-feira, outubro 12, 2004
Querido Diário - XVI

Como tinha decidido para bem da minha saúde, nos últimos tempos as minhas relações com a Elisa têm-se mantido numa esfera estrictamente platónica, mas mesmo assim não se pode dizer que não tenha influência nos meus dias. A verdade é que não resisto a assistir todos os dias às sessões de ginástica, que agora são bi-diárias. Logo de manhã, abro ligeiramente as persianas, pego nos binóculos, e lá anda ela a preparar os apetrechos em cueca fio-dental e wonderbra. São uns pequenos alteres, um step e uma bicicleta estática. Aquilo é tudo muito normal, até que ela começa a executar os exercícios. Eu desconfio que ela sabe que eu a vejo com os binóculos, porque se põe de costas para a janela, e baixa-se muito lentamente, de pernas todas esticadas e ligeiramente abertas, até alcançar os alteres. Aquilo demora para aí dois minutos, o que é um exagero, e não sei se estão a ver em que posição fica, e como a vejo quando está a apanhar os pequenos aparelhos. Fico logo cheio de palpitações ao ver aquela imponência a olhar para mim. Depois não querem que sonhe com meloas!
Não sei se já vos disse, mas apesar do wonderbra ser para aí o 44, aquilo é tudo muito firme, parecem dois Gibraltares gémeos. Pois ela agora arranjou aquela coisa do step e farta-se de dar saltos. Ora aquilo tudo muito firmezinho a dar saltos a compasso, para cima e para baixo, faz-me disparar a tensão, e lá se agudizam as palpitações. E isto, de manhã e ao anoitecer!Já fui ao médico e ele disse-me para ir todos os dias à farmácia controlar a tensão, diz que não entende como, de repente, fiquei assim! Pois, mas eu entendo perfeitamente.
Agora, só nos vemos no café 33. Ela sorri-me e deita-me aquele olhar lânguido que me deixa paralisado. Noutro dia, pôs-se ao balcão à minha frente a pedir o café, mas sorrateiramente, foi chegando o para-choques traseiro para trás até se encostar completamente a mim. Bem! Fiquei de tal maneira que tive que vir a correr para casa tomar um duche gelado. E ela ficou com um sorriso malvado no rosto, que eu vi bem.
Se calhar não resisto, e um dia destes decido-me a convidá-la para um fim-de-semana à beira-mar. Espero que não leve a tia. E vou falar já com um mediador de seguros que há aqui.
*****
Ontem encontrei o Romão, que tem um talho aqui na rua de cima. Pois ele é careca, só assim com uns cabelos de lado, género Sto. António, mas mais ralo. Quando aparecia, toda a gente dizia: “Olha, lá vem o Mona Lisa”. E ele quando soube ficou piurso. Chegou a ameaçar que acabava com o livro dos fiados, o que seria uma espécie de terramoto, no sistema económico do bairro. Mas como ninguém ligou muito, e ele também sabia que assim ia à bancarrota, que sempre vale mais receber atrasado, do que não vender nada, resolveu o caso doutra maneira. Começou a deixar crescer o cabelo de lado e atrás, e depois puxava-o para cima, de modo a cobrir a careca, fixando aquilo com um gel qualquer. Foi pior a emenda que o soneto. Começou tudo a chamar-lhe Professor Herrero, e cada vez que ele passava, parecia que tinhamos ali um bando de Muttleys a rir-se.
Até que aqui há uns tempos veio ter comigo e perguntou-me se eu sabia onde é que o Carlos do Carmo tinha feito o implante capilar e eu disse que achava que tinha sido em Londres. Ora ele lá fez contas e achou que era muito caro, e acabou por se decidir a ir a um cabeleireiro especializado que viu num anúncio do 24 Horas. Nem imaginam, o Romão agora parece o Elvis Presley, mas com mais cabelo. Tem uma trunfa que parece um ninho de cegonhas no cimo de um poste de alta-tensão. Veio todo vaidoso para me mostrar a obra de arte:
- Ficou uma pinta do caraças, não achas? mas eu fiquei de tal modo impressionado que nem me consegui pronunciar. Fiz-lhe gestos para que ele soubesse que estava afónico. Agora quero ver qual vai ser a alcunha que lhe vão pôr. Estou mesmo com curiosidade, que a imaginação desta gente é um espanto.
*****
Quem veio hoje ter comigo muito irritado foi o Simões. O Leonardo deixou-o em mau estado, durante uns dias parecia um pássaro Ui-Ui, mas agora já está quase recuperado
- Uma nota breve para vos esclarecer sobre esta notável ave, o pássaro Ui-Ui. Para ser sincero, duvido um bocado da sua existência, mas o Cristóvão taxista, que me falou dele, garantiu que tinha visto um programa sobre o animal no canal da National Geographic, e como o dito é originário da Austrália, eu lembrei-me dos ornitorrincos, e já não achei tão estranha a existência de semelhante ser. Bom, disse-me o Cristóvão que o Ui-Ui é um pequeno pássaro, com asas atrofiadas, o que o faz deslocar aos saltos. Em contrapartida, disse-me ele, o animal tem uns testículos enormes. Ora está bem de ver que cada vez que dá um salto, bate com os testículos no chão, o que o faz soltar os doloridos Ui’s que lhe dão o nome.
Dada a nota devida sobre o singular animal, prossigamos então.
Pois o Simões ficou ontem sem o cartão Multibanco, daí a irritação.
- Já viste? O sacana do anão ficou-me com o cartão. Enganei-me no código 4 vezes porque o cartão não é meu e eu pelos vistos não saquei o código bem à Etelvina, e o gajo gamou-me o cartão. E logo agora que eu queria ir a Guimarães comprar as Calças Sexuais.
Bem, foram tantas seguidas, que eu nem sabia que dizer. Comecei pelo fim.
- Mas o que é isso das Calças Sexuais?
- Não sabes? Foi o Adolfo que foi a Guimarães aqui há dias, e achou aquilo tão porreiro que até tirou uma fotografia. Queres ver?
Queria, claro

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- Pronto, aí tens. Isso é um achado. E a mim, davam-me jeito. Já sabes que as gaijas não me largam, e elas gostam de novidades
- Pois é. Depois acontecem-te coisas como a trepa que levaste do Leonardo.
- Ah! Isso foi azar. Sabia lá que o gajo já não usava penico!?
- Mas ouve lá, ainda voltando à vaca fria. Que história é essa de dizeres que foi um anão que te ficou com o cartão?
- Claro que foi o anão! Não sabes que eles têm um anão em cada Multibanco? Ou achas que eles iam põr uma pessoa de tamanho normal num cacifo tão pequeno?

Bem, nem coragem tive para lhe perguntar como é que ele tinha o cartão da Etelvina, a mulher do Leonardo. Mas aposto que não foi ela que lho deu expontâneamente.

O Romão talhante de quem falei acima tem muitos conhecimentos e foi o único que conseguiu vender miudezas de vaca quando foi da crise das vacas loucas. Acho que é ele o grande responsável pelo estado a que chegou a sanidade mental aqui do bairro.

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/12/2004 02:27:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
domingo, outubro 10, 2004
Armadura

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Por precaução deixei um dia
de querer amar
Afastei de mim qualquer
intuito de ternura
Endireitei-me, olhei em frente
fechei o coração
Vesti uma armadura
que me iria, para sempre proteger.
qe qualquer indesejada tentação
Mas depois vieste tu pé ante pé
irradiando o branco da candura
vestida no vermelho da paixão.
E foi precisamente nessa altura
que vi que tudo tinha sido vão.
Com esse teu olhar quase irreal
Derreteste-te-me num segundo a compostura

(foto de José Marafona)

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/10/2004 01:00:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
quinta-feira, outubro 07, 2004
Outono

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Sacudo este pó que me cobre
a alma
Rasgo tudo o que lhe cinge
o movimento
Deixo correr o riso pelos campos
Que em tons de outono e fogo
já se vestem
Não paro o pensamento
dou-lhe espaço
Abro o olhar e ele rasga-me
horizontes
onde procuro em vão,
o teu abraço

Nota:- Não entendo bem porquê, esta "poesia", não saíu formatada como eu queria. Faço-o agora. Também não saíu a imagem que tinha idealizado, e que agora coloco. A quem me tinha já comentado, as minhas desculpas

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/07/2004 01:06:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
terça-feira, outubro 05, 2004
Why do birds suddenly appear?

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Why do birds suddenly appear
Every time you are near?
Just like me, they long to be
Close to you
Why do stars fall down from the sky
Every time you walk by?
Just like me, they long to be
Close to you

(Carpenters)

É aqui, na perfeita confluência
das tuas pernas
Neste estreito e desejado
espaço em que me perco
No profundo e misterioso
abismo em que me afundo
No sedoso e arredondado
paraíso do teu ventre
No esperado e exacto intervalo
entre os teus braços
É aqui, que mais uma vez
quero morrer, depois voltar
Em cada novo amanhecer para te amar

There’s still a little bit of your taste in my mouth
There’s still a little bit of you laced with my doubt
It’s still a little hard to say what's going on

There’s still a little bit of your ghost your witness
There’s still a little bit of your face i haven't kissed
You step a little closer each day
That i can’t say what's going on

Stones taught me to fly
Love, it taught me to lie
Life, it taught me to die
So it's not hard to fall
When you float like a cannonball

(Damien Rice)

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/05/2004 08:13:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
domingo, outubro 03, 2004
Tuas mãos são como pétalas que me beijam

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Deixa-me navegar
Pelos teus recantos
Que eu quero conhecer
os teus segredos
Desvenda-mos pouco a pouco
Abre-me as portas
Uma a uma devagar
Para que eu possa
tudo ver
A toda tu
estender o meu olhar.
Seca a vontade
que de mim escorre
Cola-me aos lábios
a tepidez dos teus
Percorre-me a pele
com o cetim dos dedos
E envolve-me com o teu orvalho
de veludo e rosa
no mais ardente dos abraços
Faz desta noite azul
A mais espantosa
E de paixão, ao amanhecer
deixa-me morrer
entre os teus braços
Naquela doce agonia
que se sente
No amor acabado de fazer

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/03/2004 03:33:00 da tarde | Permalink | | ( 0)Comentários
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