Novos Voos - Take Two

segunda-feira, outubro 25, 2004
Querido Diário - XVII

Como disse, a Clotilde já descobriu que o Renato andava mesmo com uma gaija. Ela descobriu, quando o Renato aqui há uns dias apareceu em casa às 5 da manhã enfrascado e ela teve que o ajudar a despir. Então não é que ele trazia uma cuequinha fio-dental vermelha da Sloggi? E rendada!Ela enfiou-o na banheira e espetou-lhe com um duche gelado, e não o deixou sair sem ele confessar tudo. Parece que ele com a piela vestiu as cuecas que não eram as dele, que ele só usa boxers porque diz que não gosta de andar com a salada apertada. Mas desta, quem lha apertou foi a Clotilde, que não lha largou enquanto ele não contou tudo. O pior é que a conclusão ainda foi pior do que o que ela esperava. Quando lhe perguntou como se chamava a gaija, ele respondeu-lhe:
- Arnaldo!
A Clotilde ia morrendo. O Renato andava metido com uma drag-queen.Foi um escândalo dos antigos. Para o castigar, ela pegou na colecção de arte erótica dele e atirou-lha pela janela. Ele ainda veio a tempo de apanhar tudo, mas como ela agora não o deixa ter aquilo em casa, pôs-se a vender tudo ao desbarato nos fundos da taberna do Albertino, com um ar muito desgostoso. Aquilo não me interessa nada, mas como lá passei, aproveitei para dar uma vista de olhos, e realmente havia coisas interessantes, embora algumas não me parecessem originais. O Playboy nº1, a colecção inteira da Penthouse e da Hustler, uma foto com dedicatória e autografada da Samantha Fox (coitada, ao pé da Elisa parece uma tábua de engomar), uma colecção muito completa de filmes hard-core em VHS que inclui o célebre Branca de Neve e os 700 matulões, que parece que é um filme-culto no género, umas mini-cuecas pretas usadas, da Pamela Anderson (a cheirarem a Poison? aquele cheiro pareceu-me familiar), um conjunto de soutien, cuecas, cinto de ligas e máscara da Cat-Woman, tudo em cabedal, um chicote e um par de algemas (não percebo para que queria ele aquilo, o Renato nunca foi polícia) e mais uma quantidade de utensílios aos quais, por muito que desse volta à imaginação, não lhes encontrei aplicação. Fiquei com os olhos nuns sapatos negros com um salto agulha de pelo menos 15 cm. Agora já percebo o porquê das marcas que por vezes o Renato exibia no peito, quando andava de camisa aberta. Para não parecer que não estava solidário com ele na desgraça, acabei por lhe ficar com uma boneca insuflável, para oferecer a uma sobrinha minha que faz colecção de Barbies.

Bem, mas deixemos o Renato e a sua desventura, coitado. Já bem lhe basta a vergonha porque passou.

Desta vez tive a sorte pelo meu lado. Bolas! Já dava por mal empregue o dinheiro que investi nos binóculos. Pois na 2ª feira passada estava a ver quando aparecia a minha Elisa para os seus exercícios de ginástica, mas o professor de canto parecia que queria fazer serão, e insistiu com a Elisa num exercício vocal mais de 30 vezes. Não sei se estão a imaginar, mas o meu gato, mal ouve os primeiros acordes do piano, dá um salto do sofá, solta um miado sofrido e vai de escantilhão para as traseiras, onde se esconde debaixo de um móvel (até já lhe imaginei um castigo para quando me voltar a mijar no tapete de entrada: fecho-o da parte de fora da varanda na hora da lição da Elisa. Só tenho medo que me parta algum vidro, ou se precipite do 3º andar para a rua).O resto do quadro também é um espanto: a velhota do 2º direito do prédio da Elisa,que é surda que nem uma porta, vem para a janela com o maço de algodão, mete dois bocados nos ouvidos, e depois enfia um capacete de motociclista na cabeça, apertando-o bem apertado. Os do 2ª esquerdo, usam uns bonés daqueles de ski com orelhas e também vêm para a varanda, quer chova, quer não, e de lá não saem enquanto o professor Abílio não se vai embora.Eu cá acho que as lições estão a fazer bem à Elisa, está cá com uma potência vocal...aqui há dias, estava eu à janela e aparece ela. Como sabem, moramos no 3º andar, um em frente ao outro, e a rua não é muito larga. Mandou-me um sorriso daqueles e começou a aquecer a voz. Ela foi tão simpática, que nem tive coragem de me meter para dentro. Antes o tivesse feito: mal começou a cantar a sério, mandou-me com um "si" tão forte, que eu fiquei logo penteado para trás. Até senti os cantos dos olhos a serem repuxados. E só não levei com outro botão na vista, porque me desviei a tempo.Até já disse à Ermelinda que tem o cabelo encarapinhado e gasta uma fortuna para desfrisar o cabelo, para pedir à Elisa que lhe cantasse um bocadito, mas ela não aceitou a sugestão, não sei porquê.
O pior é que agora já andam a fazer correr outro abaixo-assinado contra a minha ave canora: cada vez que ela dá uma nota mais agúda disparam os alarmes dos carros todos aqui da rua, e aqui há dias, até disparou o alarme de uma agência bancária da rua de cima.
Quem também anda feliz, é o Marcelino, o vidraceiro. E não é para menos, o negócio nunca lhe correu tão bem

Bem, mas como ia contando, estava eu à espera da sessão de ginástica e ia dando uma volta com os binóculos quando calhei a dar com a janela do Vidal. Pelos propósitos dele com a mulher, vi logo que ia haver "festa" e já não arredei dali. Lá se desapegaram e ela foi para a cama. Mas a chatice é que da minha janela não dá para ver a cama toda. Só lhe via os pés. Foi então que o Vidal tirou os óculos, baixou os slips e subiu para cima do psiché. O pior é que ele sem óculos não vê nada, acho que ele usa para aí 7 dioptrias em cada olho, pôs um pé em cima de um pratinho de casquinha cheio de rendilhados e aleijou-se. Mandou um berro e agarrou-se ao pé. Via-se logo que estava á rasca. Só que se desiquilibrou e ele caiu do psiché abaixo. Como não via nada, nem sabia onde se agarrar, meteu as mãos à frente, mas bateu com as partes baixas numa das maçanetas que a cama tem em cada canto, e então é que foram elas. Até me arrepiei todo. O desgraçado "cantava" mais alto que a Elisa. Daí a pouco chegou uma ambulãncia, deve ter sido a mulher a chamar. Nem imagino a explicação que eles terão dado à equipe médica.O que sei é que encontrei o Vidal ontem à tarde. Parecia que tinha andado a montar um cavalo selvagem em pêlo durante duas semanas seguidas. E no café 33 nem se sentou como é costume. Bem tentou, mas levantou-se num salto, parecia que tinha um furúnculo em estado terminal, no rabo.

Acho que o Vidal nunca mais vai poder ser pai.
Querem ver que é desta que ele desiste dos "voos" nocturnos?
Bem dizem que a felicidade é uma coisa frágil. Lá se me acaba mais um divertimento nocturno.

Escrito por: VdeAlmeida, em 10/25/2004 04:24:00 da tarde | Permalink | |


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