Acreditem ou não, a Elisa aceitou o meu convite para jantar.
Encontrou-me na 2ª feira no café 33, dirigiu-se a mim muito direita e séria, de tal maneira que fiquei sem pinga de sangue, pensando que me ia dar uma sarabanda em público e uma nega que me exporia ao ridículo. Acho que estive quase a desmaiar, ou a ter um acesso de hipoglicemia. Mas de repente, e quando chegou junto a mim (claro que houve uma parte dela que chegou quase no dia anterior), abriu um sorriso alvo, com aqueles dentes a parecerem um teclado de piano sem as teclas pretas, e perguntou-me se o jantar podia ser na 4ª feira. Eu fiquei com a respiração um bocado suspensa, mas lá balbuciei que sim. E disse-lhe que a ia buscar às 7 e meia.
Entretanto, dei de caras com o tipo do 2º esquerdo, o marido da tipa que me apanha sempre descalço a olhar pelos binóculos, mas eu estava a falar com o Leonardo, que é um "armário" com quase 2 metros e 120 quilos, que vende rifas e cartões e tem uma empresa de segurança pessoal. De modo que, vendo aquela minha amizade, passou ao largo, mas sem nunca tirar os olhos de pitbull de mim. O certo é que senti uma
dor aguda no dedo grande do pé esquerdo, o que quer dizer que o sujeito, que eu sempre pensei ir ser na minha vida um personagem efémero e desinteressante, tem sobre mim, e mesmo ao longe, o efeito de um ataque agudo de gota.
Depois, custou-me caro, porque o Leonardo, aproveitou a fraqueza da minha posição e endrominou-me com 10 cartões para a lotaria de 2ª feira. Lá se foram 10 € que sei nunca irei recuperar, pois mesmo que me saia alguma coisa, perco sempre. O Leonardo raramente paga prémios. Nunca vi ninguém a reclamá-los, e não vou ser eu a começar.
O Albano, que também passou por nós mas nem parou, é que cada vez vai tendo menos a noção das conveniências. Anda sempre com a bíblia debaixo do braço, o que a faz já ter um aspecto um bocado seboso, e saca-a em qualquer lado para ler passagens que traz sublinhadas, aos vizinhos. Mas sempre de uma maneira tão agressiva que as pessoas quase são compelidas a ouvi-lo. Já foi proibido de fazer campanha no café 33, e agora, ressentido, diz que o dono, um pai de três rapazes e uma menina, é amigo íntimo do Abel, aquele que levou com o carro em cima. Se o senhor ouve a calúnia que corre sobre ele e quem a anda a espalhar, não me admira que o seu punho se una ao da Amélia para fazer umas carícias ao Albano.
Ah! a propósito da Amélia já imagino em parte,o porquê das irritações cutâneas dela às 6ªs feiras: constou-me que as Testemunhas só levantam o jejum sexual dos seus membros às 5ªs feiras. E digo em parte, porque isso não explica tudo, as irritações são sempre muito extensas, e para ter aquele aspecto, há para ali rituais de acasalamento muito estranhos. Bem, ele uma vez falou-me de uma habilidades que incluíam o uso de pincéis de barba e varinhas mágicas, mas eu nem quis acabar de ouvir, tão aberrante aquilo me pareceu.
Agora arrependo-me, porque talvez esse dado me permitisse concluir o puzzle. É o que faz não ser curioso.
Concluindo por hoje: ontem fui jantar com a minha deusa. E por hoje, só vos digo que as emoções começaram logo ao ir buscá-la. Atendeu-me a avó com um sorriso simpático, e por trás dela a minha ave canora. Quando a vi ia-me dando uma coisinha: trazia um vestido vermelho, muito justo e decotado e devia trazer um wonder-bra justíssimo que fazia com que aqueles dois hemisférios, que pareciam duas cabeças do Dunga, estivessem tão juntos um ao outro, que entre eles poder-se-ia enfiar o pau de um cartaz tão firmemente que se podia desfilar numa manifestação sem se correr o risco do cartaz cair.
Atirou-me:
-Vamos? e passou-me pela frente. Aí, quando a vi de costas, a emoção ainda foi maior. Só vos digo, que esta noite sonhei com pequenas melancias em sacos de plástico.
Mas o jantar conto depois, que agora ainda estou na ressaca e mal consigo escrever.