Novos Voos - Take Two

sábado, agosto 14, 2004
Querido Diário - V

Estou estarrecido! A Fada tinha razão!
Não estou estarrecido por a Fada ter razão, claro, que a tem muita vez. Mas por se terem confirmado os temores que tinham tomado conta de mim, quando ela afirmara que a opulência de carnes da minha nova vizinha do 3º andar em frente, eram capazes de se dever ao facto de ela ser soprano de óperas do Wagner.
Bom, Wagner não sei se canta. Mas pelo menos tenta cantar o Bellini.
Ontem à noite, estava eu á janela a ver se apanhava uma brisasinha que me aliviasse o calor, quando vejo entrar para o prédio um sujeito baixinho e anafado, de careca reluzente e fato escuro, abotoado e gravata bem chegada ao pescoço. Até me fez sentir mais calor. Como as minhas vizinhas do 3º tinham as janelas escancaradas, consegui ver que o homem entrou para lá, e como distingo a sala toda, vi-o sentar-se ao piano. Ah! e um pequeno pormenor, com os binóculos ainda consegui assistir melhor a tudo. E a experiência foi aterrorizante, acreditem.

Um aparte para dizer que aqui há dias tive um problema desagradável com os que moram por baixo delas, no 2º esquerdo. Eu conto. Quando foi do início das sessões de ginástica da minha saudosa vizinha que fugiu com o feliz professor de ginástica, um amigo meu que trabalha em qualquer coisa da polícia que nunca me explicou muito bem o que era, arranjou-me uns binóculos daqueles que têm infra-vermelhos para se ver de noite. Bem, isto disse ele, mas eu acho que aquilo não dá para ver tão bem como dizem. Claro que eu pedi-lhe aquela coisa, não com o intuito de bisbilhotar nada, mas como sou um bocado rigoros, queria ver se ela executava os exercícios exemplarmente.
Ora há dias, estava eu com os binóculos dirigidos para um casal de melros que andavam em alegre brincadeira no telhado do prédio deles, quando o sacana do puto do 2º esquerdo foi chamar o pai aos gritos, a dizer que eu estava a espreitar para casa deles. Ora aquilo era um perfeito disparate, porque não havia na casa deles nada que me interessasse e foi o que expliquei ao homem quando assomou à janela e me veio pedir satisfações. Mas o tipo disse que a mulher se estava a mudar no quarto e devia ser isso que eu estava a espreitar. Uma imbecilidade. O tipo parece que é cego, ainda não reparou que casou com uma réplica da madrasta da Branca de Neve depois da transfiguração. Bom, mas eu estava a ver que aquilo dava para o torto, bem lhe repeti que sou uma pessoa respeitável, mas ele insistia e decidi guardar os binóculos e agora só os uso com a janela fechada e por detrás dos cortinados, de modo que não me possam ver.

Mas voltando à vaca fria, o senhor emproado, mal entrou sentou-se ao piano, puxando ligeiramente as pernas da calça para cima, antes de encostar o rabo ao pequeno banco. Depois, com as mãos dois palmos acima do teclado, fez uns movimentos esquisitos com os dedos até que os pousou nas teclas, arrancando assim os primeiros sons melódicos ao mesmo tempo que a moçoila, pôs a mão direita sobre a esquerda e ambas sobre o coração e toca de desancar o Mi chiami, o Norma, do Vicenzo Bellini, que deve ter dado umas poucas de voltas na tumba, mal ela soltou as primeiras notas e rebentou com uma das lâmpadas do lustre da sala e até a minha janela vibrou. Apanhei um cagaço que ia deixando cair os binóculos e o meu gato, que estava a dormir no parapeito deu um salto, começou a bufar e ficou todo eriçado. Deve ter sido uma daquelas que inspirou o Hergé na criação da sua Castafiore.

Bem, o que valeu foi que a vizinha do 2º direito, que é uma velhota surda, pegou na vassoura e começou a bater no tecto com toda a força. Claro que se interrompeu a cantoria (???), mas a senhora de idade, que eu acho que é avó da aspirante a Monserrat Caballé veio à janela muito indignada com o acto da vizinha de baixo. Começou uma discussão entre as duas e eu recolhi-me antes que sobrasse para mim. E entretanto, o cavalheiro gorducho saiu porque deve ter chegado à conclusão, que a sua missão, por ontem, estava terminada. Acho que deve ser o professor de belo canto. Pelo que vi, bem pode limpar as mãos à parede pelo trabalho que anda a fazer

O pior é que pelo que me constou - sim que hoje não se falava de outra coisa no café 33 - aquilo vai ter continuação, que elas não vão desistir facilmente. Cá por mim, se ela gosta do Bellini, acho que se devia ficar pelas pizzas.

Pelo sim, pelo náo, já fui comprar uns tampões à farmácia, e enxotei o gato para as traseiras, antes que enloqueça e me comece a subir pelos cortinados.

Escrito por: VdeAlmeida, em 8/14/2004 09:24:00 da manhã | Permalink | |


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