O Albano é um vizinho meu, um tipo baixote e entroncado, tipo taco de pia, que anda sempre com a barba por fazer (é curioso porque acho que isso tem alguma coisa a ver com as irritações cutâneas que a mulher dele, a Amélia, trás sempre bem visíveis no pescoço, peito e pernas, todas as 6ª feiras. Só não percebi ainda, o porquê de ser só nesses dias). Bem, mas o Albano é o tipo com mais horror a papéis e alérgico a trabalho que conheço. Para verem bem o estilo há uns meses teve que ir tratar de uma certidão de nascimento completa, por causa de umas coisas que o pai lhe deixara, e pediu-me para ir com ele para o ajudar, caso fosse necessário preencher papéis.
Quando chegámos ao registo civil disse ao funcionário ao que ia, a data de nascimento, o nome dos pais e o seu: Albano Silva. O outro foi à procura e disse-lhe:
- Está aqui, mas olhe que o seu nome completo é Albano dos Reis Silva.
- Como? Nunca soube disso. E sempre me assinei só Albano Silva. E no BI também é só o que consta.
- Acontece, amigo. Mas não há problema, podemos deixar assim ou podemos averbar o nome.
- Ok! respondeu o Albano. Até que nem é feio. e repetiu em voz alta: Albano dos Reis Silva! Fica bem! Vamos nessa.
- Então, é só o senhor preencher estes formulários, respondeu o funcionário, passando-lhe umas 3 folhas para a mão.
- O quê? Preencher mais papéis? Nem pense. Fica assim mesmo. Albano Silva. E se por causa do "Silva" me quiserem arranjar trabalho, fico mesmo só Albano!
O homem ficou pasmado. Via-se bem que não conhecia o Albano. Depois, lá tratámos da certidão sem mais precalços, mas à saída ainda me disse:
- Já viste aquela melga a querer arranjar-me trabalho?
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Pois o Albano agora converteu-se às Testemunhas(nunca lhe tinha detectado qualquer inclinação religiosa), e quer por força levar-me para o rebanho. Eu que nem sou de grandes curiosidades, andava a tentar saber quem o teria conseguido convencer a aderir, de certeza que um daqueles tipos que consegue vender frigoríficos aos esquimós no Alaska! Sim, porque aquilo dá trabalho e é preciso ter um paleio do caraças, embora isso seja coisa que não falta ao Albano.
A minha curiosidade foi recompensada há duas semanas: não foi tipo nenhum. É que a Josefa, que trabalha na padaria, pertence ao Nucleo Angariador e Beneficente, de Outros Sócios - Testemunhas da Madragoa, simplificando e conforme eles têm na placa da porta: NABOS - TM.
Ora o Aníbal tem-na debaixo de olho desde que ela veio para a zona. Até se levanta da mesa do dominó e vai espreitar à rua, quando ela passa, o que deixa os parceiros sempre em brasa. Bem, a Josefa é muito jeitosa, parece um violencelo, e deita uns olhares lascívos, mas aquilo ainda vai dar molho. A Amélia, que por acaso, é peixeira, tem muito mau feitio, e o Albano que o diga, que de vez em quando lá aparece com um olho deitado abaixo. Diz sempre que bateu na esquina do armário da cozinha, mas eu cá acho que é muita coincidência bater tanta vez e sempre no mesmo sítio e com a mesma parte da anatomia. Acho que aquilo traz a marca Amélia.
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Bem, mas ele lá me tenta, e eu na semana passada, aquando de mais um assédio, disse-lhe que sou agnóstico, e ele deve ter pensado que aquilo era alguma alergia, e perguntou-me se não tinha tratamento. Lá lhe expliquei de que se tratava e ele respondeu-me:
- Eh! pá, mas isso é pecado. No dia do juízo tás lixado.
- Não. Quando for confrontado pelo Criador, digo-Lhe que sou como o S. Tomé, que também só acreditou quando viu e ainda foi promovido a santo. Portanto, tás a ver, esta minha posição, ainda me pode ser vantajosa, ao contrário do que dizes.
O Aníbal deve ter nascido num dia em que o distribuidor de inteligência estava de folga, de maneira queficou a olhar para mim, como que a digerir aquele brilhante discurso e disse-me: "Amanhã voltamos a falar", e virou as costas. Devia ir com intenção de pedir instruções aos superiores. Disse-lhe de saída: "Cumprimentos à Amélia. E à Josefa também". Ficou muito pálido.
Até hoje, não voltou a insistir na conversão. Acho que afinal, o Aníbal, não é assim tão parvo.
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Estou a ver é que tenho que me livrar destes binóculos. Primeiro, e como já frisei, a qualidade deixa muito a desejar. Depois, porque desde que os uso, parece que ando a ser perseguido peloa azar.
O último aborrecimento que me causaram, ocorreu no passado sábado, pela manhã.
Estava eu todo feliz a sair do duche e a cantarolar uma chanson do Jacques Dutronc, quando me apercebi que o meu "rouxinol" estava a iniciar um dos seus exercícios vocais. Corri para a janela com a toalha à cintura e olhei através das persianas. Foi então que se deu a catástrofe: quando vi que a Elisa se dedicava aos seus exercícios vestida só com um bikini tipo fio-dental (devia estar a preparar-se para um dia na praia), como não tinha um ângulo que me permitisse vê-la, entrabri um pouco a janela, ao mesmo tempo que apressadamente deitava a mão aos binóculos que estavam, como de costume, numa mesinha que tenho ao pé da janela. Só que o movimento foi tão brusco, que a toalha caiu ao chão. Para o azar ser completo, a tipa do 2º esquerdo, a tal que tem um piaçaba por cima do beiço superior, também estava á janela, e olhou para mim precisamente nessa altura. Deu um berro como se fosse a primeira vez que visse um homem naqueles preparos, e foi para dentro. Deve ter ido fazer queixa ao marido, deve-lhe ter dito que eu devia ser um sátiro, um daqueles tipos que andam a abrir a gabardina no Parque Eduardo VII, porque ele apareceu logo a seguir, com uma cara que não augurava nada de bom, vermelho como um tomate. O que vale, é que, entretanto, eu já tinha fechado a janela. E agora há dois dias que não ponho um pé na rua, antes de olhar bem para todos os lados, não vá o diabo tecê-las. E à janela, tenho-a de persianas corridas, levemente entreabertas de modo a que se não veja cá para dentro.
Chiça! Já é a 2ª vez que aquela gaja me toca na rifa!
Só me faltava agora que a tipa contasse alguma coisa à Elisa, e ela não aceitasse o meu convite para um jantar a dois, que eu lhe mandei juntamente com um grande ramo de flores cheio de lacinhos cor de rosa como as mulheres gostam.
Estou a pensar levá-la a um restaurante francês chamada "Au tête de Vache", e pedir ao dono, o Aristides, que tirou um curso de "maître" em Freixo de Espada à Cinta, para que o evento se faça à luz de velas. Música especial, nem preciso de pedir, porque ele tem lá um rapaz com costela húngara, que toca no seu violino os últimos êxitos da música popular, em ritmo cigano.
Vamos ver se o meu sonho se concretiza!