Novos Voos - Take Two

segunda-feira, setembro 13, 2004
Querido Diário - XII

A tia da Elisa, a Dona Ermelinda é uma simpatia. Quando estive retido em casa devido aos traumatismos resultantes do nosso jantar, fez questão de me visitar e até me levou um botão de rosa vermelho e um embrulhinho com dois pastéis de nata. Gabou-me o cavalheirismo, os cortinados da cozinha e a decoração da sala, e até me vieram duas lágrimas aos olhos. E claro, exaltou-se quando falou do "embrulho" do 2º esqº e respectiva família, que juntamente com a velhota surda do 2º direito lhe estão a dificultar a evolução musical da sobrinha, que segundo ela tem um futuro brilhante à sua frente. Sinceramente, gosto muito da Elisa, mas não consigo partilhar aquele optimismo da velhota. Por outras palavras, gosto do feitio do instrumento, mas muito pouco do som que emite.
Mas a ida da tia da Elisa, não foi uma mera visita de cortesia. Foi meter uma cunha para eu assinar uma petição que anda a correr, para permitir a continuação das aulas da Elisa. Só que também anda a correr outra em que ela é considerada perigosa para a sanidade mental da vizinhança. E agora estou na incerteza sobre qual das duas assinar, mas o mais certo é assinar as duas, desde que as listagens não sejam
divulgadas. Tenho que me informar bem sobre esse pormenor. Ah! e claro que também veio insistir comigo para aceitar o convite para novo jantar a dois. Que vou ser eu a pagar, claro!

O Albano já voltou a falar comigo.A Josefa desentendeu-se com o responsável pelo núcleo das Testemunhas e acabou por aderir aos Manás. Portanto, nada justificava a permanência dele por aquelas bandas, pelo que voltou a ser o Albano dos velhos tempos. E com as histórias de sempre. A última foi ter ido numa viagem a Mérida. Ele recebeu um prospecto na caixa de correio em que se anunciava uma viagem em "AutoPluma" (sic) daqui a Mérida, saída às 7 da manhã com passagem por Évora e visita á zona histórica, passagem por Badajoz com almoço típico e tarde livre para compras, e jantar já em Mérida com pernoita em hotel de 2 estrelas e volta no dia seguinte de manhãzinha. A organização dava ainda um jogo de panelas, um serviço de jantar e um presunto de porco preto. Tudo isto por somente 30€ por pessoa.
Bem, aquilo realmente era muita fartura para o Albano resistir, de modo que lá convenceu a Amélia e aí vão eles. E esta manhã, lá esteve a contar-me a história. Estava exultante e só me dizia que tinha feito um grande negócio.
Foi assim: a organização levava um animador e pela amostra a viagem decorreu sobre o signo da anedota de mau gosto e a música ainda pior.
Diz-me o Aníbal:
- Conheces a do tipo que tinha três pernas?
- Não. Mas pelo que já contaste até agora, já vi que não me vai interessar conhecer. Olha lá, mas aquilo foi só essas foleirices?
- Não. Também teve uma parte cultural muito importante. Évora é uma cidade espectacular.
- Isso eu sei. É das coisas mais bonitas que conheço. E cheia de história.
- E alguma vez foste à Capela dos Ossos?
- Claro, respondi. Já me estava a admirar com a elevação da conversa.
- E viste lá os dois esqueletos do D. Afonso Henriques?
- Dois?????!!!!!!
- Sim, dois. Um dele quando era criança, e outro da altura em que morreu. Foi o nosso cicerone que nos contou.
Fiquei siderado com aquela demonstração de cultura, e nem quis fazer comentários. Até porque ele não me deixou e continuou:
- Depois em Mérida, foi um serão a fazer negócio. Comprei 11 edredons verdes (um foi de borla) por 120€, um jogo de malas em pele sintética por 100€, e um maple de napa vermelha por 150€. Gandas negócios, como vês.
Bem, estava visto porque é que os tipos organizavam aqueles passeios!
Nem me atrevi a perguntar-lhe para que queria ele 11 edredons verdes.
E ele acrescentou:
- Os tipos são uns bacanos. Além de tudo o que nos ofereceram (sim que além do jogo de panelas, do serviço de jantar e do presunto, os 30€ nem para pagar a feijoada do almoço e a jardineira da noite chegavam), ainda nos ofereceram um porta chaves da empresa, uma cotonete em metal(?) e um saca-rolhas que aqui trago para veres a pinta dele.
E tirou-o da algibeira. Ia caindo para o lado, com a emoção. Era uma réplica do Mannecken Piss. Pois é, vocês já devem estar a ver qual era a parte da anatomia do Mannecken que serve para sacar as rolhas! Aquilo era monstruoso, mas ele exibia-o orgulhoso e com um sorriso de orelha a orelha.
Decididamente, não entendo aqueles gostos do Albano. E já percebi porque é que ele ultimamente anda a ouvir mal.

O Hernâni, que mora no 1º andar do prédio da Elisa, por baixo da velhota surda, comprou um Mercedes verde alface de 1970. Estava todo satisfeito a poli-lo quando eu passei. Perguntei-lhe se agora se dedicava a antiguidades. Ele olhou para mim e disse:
- Tás a gozar? Isto é uma bomba. Está tão impecável de motor como de chapa.
Enquanto o escutava, encostei-me ligeiramente ao guarda-lamas dianteiro do lado direito, que caiu como se estivesse maduro, e me ia decepando o dedo grande do pé, o que me costuma doer quando o ácido úrico sobe. Um mártir, este dedo. Ainda exijo que seja canonizado. O enfermeiro do posto, quando me viu entrar, exclamou com ar sarcástico:
- Tava a ver que hoje não aparecia. Já estava a estranhar que o meu mais assíduo freguês não me aparecesse cá hoje. Realmente, com curativos, mudanças de penso, etc., acho que há quase três semanas não falhava lá um dia. Mas não aprecio o humor do homem. Aliás, desde que me deu uma injecção contra o tétano quando eu estava distraído, ainda sentado na marquesa, a olhar para a funcionária do atendimento do
posto, que por acaso é mulher dele e que estava a ler uma revista debruçada de tal maneira que os peitos quase lhe saltavam pelo decote, que o homem não é santo da minha devoção. Andei quase uma semana sem me poder sentar sobre aquele lado.

Ah! E o Hernâni ainda queria que lhe pagasse o arranjo do chaço. Ganda lata!

Escrito por: VdeAlmeida, em 9/13/2004 07:25:00 da tarde | Permalink | |


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