Ando a preparar-me psicologicamente para o jantar do próximo domingo com a minha valquíria. Só espero que não deixe as cicatrizes do outro. Para já, tomei várias decisões:
1º não vai ser no "Au tête de vache", até porque o Aristides já me avisou que comprou uma caçadeira, para o caso da Elisa se lembrar de voltar a abrir a boca perto do estabelecimento dele, e como aquilo dos cartuchos sai sempre o chumbo disperso, já sei que com a minha dose de sorte habitual, quem levava com a maior parte da chumabada era eu. Ela bem queria ir ao La Tavola Toscana, que é do Gomes, que também é meu amigo, mas eu prefiro levá-la a um restaurante onde não seja conhecido, de preferência longe do bairro, ou mesmo noutra cidade, porque não quero correr o risco de perder outra amizade, ou mesmo ser proscrito aqui da zona.
2º Vou ver se fico sentado de lado, porque se fico de frente, não consigo tirar os olhos do decote (ela usa sempre uns decotes enormes, pudera!), e acabo por não comer nada de jeito, e passar a noite cheio de pesadelos, como aquele que tive noutro dia, em que era sufocado por uma meloa gigantesca.
3º Pelo sim, pelo não, vou hoje convidá-la para umas cervejas e uns caracóis no café 33 e vou pedir ao Viegas (que é o dono), para gelar bem os copos, para ver se ela perde a voz temporariamente, ou se, pelo menos a deixa um bocadito rouca, não vá dar-lhe para desta, desatar a assassinar a Aída ou o Nabuco.
4º Vou de jeans, t-shirt coçada e um blusão de ganga, também já muito usado. Assim, se as coisas derem para o torto, vai tudo direito ao lixo, e evito a conta da lavandaria.
A propósito de jeans, o Simões que é um tipo que vive de expedientes (quando lhe perguntam a profissão, responde que é calceteiro marítimo), aqui há tempos começou a vender roupa de marca a preços baixos. De repente, aqui na rua, começou tudo a andar com grandes cenários. Um dia destes em que tive que me levantar com as galinhas, encontro a Amélia a caminho do seu lugar de peixe na Praça da Ribeira, com um vestido de piqué vermelho da Lacoste, um lenço de sêda Versace ao pescoço, malinha Louis Vuitton à tiracolo, e empinada nuns sapatos Prada. Até me belisquei, mas era verdade. Só lhe faltava mesmo ter feito o buço, porque também ia toda bem pintada, mas parecia que estava enfarruscada por cima dos beiços. Depois, aquele cheiro, também nunca a abandona. Acho que nem que estivesse uma semana numa sabonária aquilo desaparecia. Nem sei como é que o Aníbal aguenta.
Ora eu acho que aquilo é tudo contrafacção e nunca lhe comprei nada, a não ser um belo Rolex que parou ao fim de 7 horas completas, impecavelmente certo (já lhe tinha caído o ponteiro dos segundos), mas ele prometeu que mo substituía.
Bom, mas o Simões teve o azar de vender por 15€, um polo azul escuro da Ralph Lauren ao Leonardo, que é a tal "viga" de 2 metros e que não gosta muito de brincadeiras, e garantiu-lhe que aquilo era produto garantido. Ora há uns dias, o Leonardo apareceu muito transtornado à procura do Simões, que por acaso não aparece desde o dia em que fez a venda. Perguntei-lhe o que se passava e ele respondeu:
- Deixa-me lá encontrar o sacana que eu conto-lhe! Vai vender roupa ao corpo clínico do hospital de S. José! Vê lá que o polo que tu viste ele vender-me, eu usei-o 3 dias, sabes que sou asseado e como transpiro muito, nunca uso as camisas mais que 3 dias seguidos, e a seguir dei à minha mulher para lavar. Ela meteu aquilo junto com os lençóis amarelinhos que a minha mãezinha me deu quando me casei, e agora aquilo está tudo tingido de azul. Se a minha mãe os vê, dá-lhe uma coisinha, que eu já sei como ela é sensível com estas coisas.
Realmente, a mãe dele é uma senhora muito sensível e respeitável. Ainda há uns tempos, no café 33, lhe deu um chapadão por ele estar a coçar as partes íntimas em público. Foi bonito ver-se aquele matulão ficar vermelho que nem um tomate e com lágrimas nos olhos.
- Mas não sabes o pior. O emblema da Rof Lóren descolou-se, tás a ver? Aquilo não era Rof Lóren. O gajo enfiou-me o barrete.
Bem, o Leonardo estava mesmo fulo. Imagino como será quando descobrir que o Simões, á sorrelfa, também faz umas visitas à Etelvina (que é a mulher do Leonardo), quando ele vai fazer "segurança" para fora de Lisboa, e que em geral, essas visitas demoram a noite toda.
Ontem, o Aníbal teve mais uma das suas brilhantes tiradas. Sem sequer me cumprimentar atirou-me:
- Ainda há profissões boas, que nos fazem felizes. Cada vez me arrependo mais de não ter passado da 4ª classe.
- Então? A que se deve esse tardio arrependimento?
- Gostava de ser ginecologista, como o sr. Dr. Guilherme. Tenho a certeza que ia ser felicissimo. Como ele.
Bem, aqui, e sabendo das peculiaridades da personalidade do Aníbal, comecei a, de certo modo entender. E até tive alguma relutãncia em fazer a pergunta seguinte, mas não percebia aquela da felicidade:
- Mas porque dizes isso? Como sabes qur ele é feliz?
- Ora, tu és cego? Não vês que o homem anda sempre, mas sempre, com um sorriso de orelha a orelha?
Até fiquei zonzo. Mas lá recuperei e disse-lhe:
- Aníbal, o homem tem uma paralisia facial permanente que lhe tolhe os músculos do rosto e o obriga a ter a cara assim. Mesmo sem ele querer.
- Ora, tá bem, tá bem! havia eu de ser ginecologista que bem precisava de uma paralisia facial para andar feliz o dia inteiro!
Na verdade, continua-me a ser muito difícil argumentar com o Aníbal.
Ah! Já me esquecia, comprei uns binóculos novos com um raio de acção extraordinário. São daqueles que são usados pelos Marines americanos e acho que aquilo é tão potente, que até através das paredes se consegue ver. Mas nem precisou de ser através das paredes, foi mesmo pela janela que eu vi as acrobacias do Vidal e da mulher, que moram aqui no 2º andar de um prédio um pouco mais acima. Nunca tinha visto ninguém atirar-se todo nú de cima do guarda-fato para a cama sem partir nada. Nem a cama.
Mas isso é outra história.