Novos Voos - Take Two

segunda-feira, maio 24, 2004
Il Miracolo
Hoje, deixo pouco
quase nada
Um pensamento, uma prosa
Que nem é minha
A mente está estranha
Sem rumo, vaga
Não escrevo então
O que quer que seja
Sequer uma linha


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Corpo e Alma

Na Itália il miracolo é de pesca noturna. Mortalmente ferido pelo arpão, larga no mar sua tinta roxa. Quem o pesca desembarca antes de o sol nascer - sabendo com o rosto lívido e responsável que arrasta pelas areias o enorme peso da pesca milagrosa, amor. Milagre é lágrima na folha, treme, desliza, tomba: eis milhares de milágrimas brilhando no chão. The miracle tem duras pontas de estrelas e muita prata farpada. Para passar da palavra a seu sentido, destrói-se em estilhaços, assim como fogo de artifício é objeto opaco até ser fulgor no ar e a própria morte. (Na passagem de corpo a sentido, o zangão tem o mesmo atingimento supremo: ele morre.) Le miracle é um octógono de vidro que se pode girar lentamente na palma da mão. Ele está na mão, mas é de se olhar. Pode-se vê-lo de todos os lados, bem devagar, e de cada lado é o octógono de vidro. Até que de repente - arriscando o corpo, e já toda pálida de sentido - a pessoa entende: na própria mão aberta não está um octógono, mas um milagre. A partir desse instante não se vê mais nada. Tem-se.

Clarice Lispector, em "Para não esquecer"

Escrito por: VdeAlmeida, em 5/24/2004 02:15:00 da tarde | Permalink | |


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