Hoje escrevo-te Mario. Apeteceu-me escrever-te. Sendo tu uma ficção, para mim nunca o foste. Desde o dia em que vi o "Il Postino, de Pablo Neruda" pela primeira vez, que te coloquei na lista dos meus mais profundos afectos, mesmo ao lado do meu amigo Alfredo, o velho projeccionista do "meu" Cinema Paraíso. Portanto, como afecto que és, acompanhas-me sempre.És assim, uma espécie de companheiro invisível, aquele amigo que muitos meninos como eu fui um dia, criam na sua imaginação. Morreste, mas como eles, és imortal enquanto eu viver, e contigo falo muita vez, mas isso tu sabes.
Contudo hoje apeteceu-me escrever, nem eu sei bem porquê. Talvez porque faças parte da história imaginada do Poeta, aquele que muitos amam, e nenhum iguala. Sobretudo porque te aproximaste da poesia da maneira mais bela, mais apaixonada, pelo amor às metáforas, às palavras. E é disso que te quero falar, das palavras, da poesia, da vida.
Mario Ruoppolo: Gostava de ser também poeta
Pablo Neruda: Não. É mais original ser carteiro. Anda-se mais e não se corre o risco de ficar gordo. Nós, os poetas, somos todos gordos
MR: Sim, mas com a poesia poderia conquistar as mulheres. Como me posso tornar um poeta?
PN: Tenta caminhar lentamente pela praia, até que a baía to permita.
MR: E as metáforas? virão ter comigo?
PN: Certamente.
Há muito que me apropriei do lema de Keating, "Carpe Diem" e tento segui-lo, mas nunca quis pertencer a qualquer Club do Poetas Mortos.Não há poetas mortos, só mais esquecidos. Revejo os teus diálogos com Pablo e emociono-me. Admiro-te a simplicidade, o amor puro, o desejo ardente de tudo aprender, e sobretudo a inocência que tu sempre mantiveste e eu há muito perdi
PN: (depois de recitar um poema sobre o mar) Que achas?
MR: É estranho
PN: Que queres dizer, estranho? És um crítico severo!
MR: Não, estranho não é o poema. Foi o que senti ao ouvi-lo
PN: Como assim?
MR: Não sei. As palavras iam e vinham
PN: Como o mar, então?
MR: Exactamente. Como o mar
PN: Aí está. Isso é ritmo.
MR: De facto, senti-me enjoado
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E interrogo-me sobre que terá ganho mais com a vossa amizade, apesar da minha admiração incontrolada por Pablo: se tu com ele, ao absorver-lhe os ensinamentos, ao aspirar-lhe o génio como quem inala o fresco da manhã, ao conquistares, com as belas palavras que ele te induzia a escrever, a mulher amada...Se ele, que contigo se conseguiu baixar até aquelas coisas mais simples da vida que ele já tinha olvidado.
A inocênca, os cheiros, os murmurios da terra.
Lembro-me de como se emocionou quando recebeu a fita gravada que lhe mandaste, e em que registaste os sons da tua ilha, o vento, o mar, o filho ainda por nascer revolvendo-se na barriga da mãe, todas aquelas complexidades simples que compõem a vida.
Mas já te escrevi demais. Lembras-te do diálogo da tua mulher com a sua mãe?
Beatrice Russo: Não há nada de mal com as palavras.
A mãe: Palavras são a pior coisa que há!
Como vês, não disse nada de especial. Escrevi-te sem assunto. Um dia destes escrevo-te outra vez. Sobre poesia, se quiseres.