Quando aquela pequena mão se agarrou à minha senti como que um sobressalto. Olhei-o e ele sorriu, com aquele sorriso subtil, quase malandro, como que a dizer "não tens que ter medo, estou aqui eu".
Nunca foi criança de grandes expansividades, tal como eu. Para ser verdadeiro, eu era bem pior, quase um bicho-de-mato, como o meu pai me chamava. Dificilmente me apresentava por iniciativa própria a alguém. Era um tímido (sou um tímido) e um tímido não tem só medo das multidões, porque para um tímido, dois é uma multidão. Ele não é tímido, só introvertido, e mesmo nas emoções, nos sentimentos, parece algo contido, como que pensando que os não deve esbanjar. Por vezes parece-me que se tornou quase adulto numa qualquer dobra da vida e eu nem notei.
Seguimos lado a lado, quase como dois amigos, o que é qualquer coisa entre dois seres com idades tão desfasadas. Sinto aquela vontade que me vem dos tempos antigos, de lhe passar a mão pelos ombros tal como fazia com os meus camaradas de escola, e assim passear. Por vezes faço-o, apesar de ainda ser bem mais baixinho que eu.
Está com as fases afogueadas. Nota-se, mesmo através do tisnado com que o verão lhe doura a pele. Tem um bronzeado que todos admiram. Fica lustroso, bonito, e o cabelo louro ganha manchas de um dourado ainda mais acentuado que contrasta tom da pele, agora mais escura.
O sol está alto, e a colina que leva ao castelo é íngreme, cansativa para ambos e quando chegamos à porta onde Martim Moniz se sacrificou por uma causa (naquela altura ainda se dava a vida por causas), olhou pouco surpreendido pela novidade de se ver perante uma ponte levadiça, agora imobilizada, a engrenagem sem préstimo. Parece-me mesmo que pouca coisa o surpreenderá, talvez porque já tenha visto quase tudo na quantidade fora do vulgar de livros que absorve.
Passamos ao interior e admira os antigos canhões. Vê as bolas de ferro que lhes serviam de projéctil e naturalmente pergunta-me se as armas ainda funcionam. A função delas, connhece-a perfeitamente.
Sentamo-nos numa ameia e olhamos a cidade deitada a nossos pés, despida aos nossos olhos. Dali, parece parada, só vemos os telhados, uma sucessão de altos e baixos de cores variadas. Alguns edifícios mais novos parecem desproporcionados ao pé dos outros. Faço-lho notar, conto-lhe dos atentados que todos os dias cometem contra a cidade que é minha e que sei que um dia ele considerará como sua, e ele entende tudo o que lhe digo. É atento e interessado.
Mostro-lhe lá ao fundo o Tejo na altura em que um barco o sulca, parecendo um risco no rio.
Damos a volta completa ao recinto, onde os turistas fazem romaria e os velhos da zona descansam nas sombras. É agradável, fresco, e está tratado, ao contrário de muitos outros lugares por onde passamos nestas deambulações estivais. Gosto daqueles canteiros com amores-perfeitos e uns outros com flores que parecem violetas. E muitas papoilas entre o arrelvado rasteiro.
Quando nos vimos embora, olho para uma pequena pastelaria e pergunto-lhe se quer alguma coisa. Não quer. Raramente quer. Um gelado? Ainda se fosse um livro...
Fico à espera que um dia me faça um pedido assim do género:
- Compra-me um daqueles balões.
Sei que nunca o fará, mas espero sempre. Quem sabe a irmã, mais nova, não seja ela mais dada a essas frivolidades?