Recentemente, este espaço – não precisamente este, mas o seu antecessor – fez dois anos, e eu deixei passar a data sem referência, talvez porque pensasse que não havia motivos para o fazer, talvez porque tenho andado tão embrenhado pelas ruas, absorvendo sofregamente este sol que a natureza nos oferece num Inverno que não justifica o nome.
Isto é, enquanto Moscovo tirita com mais de 30º negativos, eu fecho esta janela, e dissolvo-me no empedrado do labirinto de ruas que fazem o meu bairro, e excedo-lhe muitas vezes os limites.
Por perto, quase sempre a sombra tutelar da Basílica a vigiar-me os passos. Longe, os passeios por recantos que permanecem há muito hibernando em escaninhos quase esquecidos de uma memória que já não é a mesma, mas ainda recorda e tem saudades. A subida dolente do elevador da Bica, com aquele seu ranger metálico que me remete para a sua idade, que já era muita quando andei nele pela primeira vez, ainda de calções e camisa engomada, com a mão pequena perdida no meio da mão larga e ossuda do meu pai, sempre acompanhados pelo cheiro das sardinhas a assar à porta das tascas, mesmo ali à beira das linhas, e pelo grasnar do corvo preso por uma pata, à porta de uma delas que era também carvoaria, encardida e a tresandar a serradura e carrascão
E lá ao fundo, o eterno rio, que há-de sobreviver a todos e à cidade.
As montras dos alfarrabistas despertam-me a curiosidade. Entro num, invade-me o cheiro a papel velho e a humidade. Nunca sei o que procuro por lá, penso que, no fundo, procuro um elo com o passado, gosto de livros sobre Lisboa antiga, mergulho naqueles postais sépia, quase sumidos, e procuro transporte para esses tempos, imagino os salões de bailes alinhados, os colarinhos tão tesos que obrigavam ao empertigar dos pescoços, e penso no encanto das senhoras que se preparavam toda a semana para o sarau da noite do sábado próximo. Futilidades? Talvez não, diferente seguramente. Não é verdade que a vida sem um pouco destas mundaneidades, perde muita do seu encanto e ganha um peso e uma seriedade, que a torna particularmente sombria?
Assim se têm passado estes dias, de fuga permanente à rotina, à clausura. Mas às quais sei que, irremediavelmente volto. Porque o apelo é forte, e o gosto maior, depois de um jejum auto-imposto, numa tentativa de não cair no cansaço da repetição monótona do dia a dia. Ou de uma obrigatoriedade ao cumprimento de um rito, que acaba com todo o gozo da coisa.
Banda Sonora:
Nota: - O próximo, sera o post 400
Gosto da subida dolente do elevador da Bica. Dentro do eléctrico ou agarrado a ele.