”Era um prazer muito especial ver as coisas arderem, vê-las calcinar-se e mudar.
Punho de cobre na mão, armado desse imenso piton que cuspia o veneno da sua gasolina sobre o mundo, sentia o sangue bater-lhe nas têmporas e as suas mãos tornavam-se as mãos de uma espécie de maestro prodigioso dirigindo todas as sinfonias do fogo e do incêndio, ao ritmo das quais se desmoronavam os farrapos e as ruínas carbonizadas da história.
Avançou, entre um fulgor de pirilampos
Teria gostado acima de tudo, segundo a velha tradição, de mergulhar no braseiro uma alcachofra presa na ponta de um pau, enquanto os livros, com um bater de asas, morriam no umbral da casa e no jardim. Enquanto os livros se contorciam entre nuvens de fagulhas e partiam, calcinados, com o vento”
Não sou aquilo a que se poderá chamar um entusiasta de ficção científica. Digamos que gosto, mas que não está, quer em literatura, quer em se tratando de cinema, nas minhas prioridades, embora em relação ao cinema, haja alguns filmes da categoria que constam da minha lista da vida, como Blade Runner ou o épico de Kubrick, 2001.
Este livro de Ray Bradbury, é, para lá de uma obra-prima do género, uma parábola sobre o admirável mundo novo, um aviso sobre um futuro do qual já vislumbrámos relances quando Hitler mandou erguer piras de livros pretensamente corrosivos da mentalidade que pretendia instalada. Com efeito, numa sociedade perfeita, nada existe de mais corrosivo da harmonia que a cultura, da qual os livros são o principal veículo.
Sei que o livro é conhecido pela generalidade, mas para os poucos que não conhecem, direi que conta um extracto da vida de Guy Montag, bombeiro numa era em que os bombeiros, em vez de apagarem fogos, têm como missão queimar livros, o perigo que espreita a felicidade obrigatória e devidamente organizada do mundo.
Montag é feliz nessa sua missão, até encontrar Clarisse, uma rapariga que lhe questiona as opções de toda uma vida, que lhe abala as convicções e lhe deixa a semente da dúvida e pensamentos extraordinários, como o de ler livros, em vez de os queimar.
E é assim que Montag se torna um foragido.
Banda sonora
Admirável mundo novo, de facto.