Acordo sobressaltado com as notícias que me trazem de Paris.
Paris foi um daqueles amores à primeira vista, e que nunca mais me saiu do coração desde que lhe pisei as margens do Sena, os Champs Elysées, as suas passagens art-noveau, a Place des Vosgues.
Desde que me deixei perder pelas estreitas ruas do Marais, nas alamedas do Quartier Latin ou nos corredores infindáveis do Louvre. Desde a primeira vez que estaquei emudecido ante uma pequena pintura de Vincent no Musée d’Orsay, ou ante o Moulin Rouge que de imediato me deu a companhia de Toulouse-Lautrec.
Desde o bulício de um dos muitos mercados ao ar livre, este perto da Bastilha, e dos aromas das boulangeries e crêperies e da fruta exposta à porta das pequenas mercearias de Montmartre. Dos seus perfumistas, das floristas de La Madeleine e mesmo aquele cheiro acre que a neblina fina e quase permanente traz do Sena.Ainda me lembro da primeira vez que, num dos inevitáveis bateaux-mouche, percorri aquela serpente ondeante olhando para um lado e para o outro, espantado com o que o homem ao longo dos séculos conseguiu construir, fazendo daquelas margens um inolvidável prazer para o olhar
Aquelas ruas, os carrefours, os cafés – que saudades do Deux Magots onde na minha imaginação me sentei um dia ao lado de Hemingway e Picasso – respiram uma cultura centenária que nos parece invadir, tomar conta de nós por osmose. Onde imagino sempre, que ao virar de uma esquina posso dar de caras com Verlaine ou Rimbaud.
E de cada vez que ouço uma valsa musette ou a canção de Jacques Dutronc, sinto-me transportado àquelas ruas de arquitectura inigualável. E passeio-me pela mão de Amélie ao som de Yann Tiersen.
Agora o coração aperta-se-me na incerteza de estar tudo como dantes, da próxima vez que voltar, e como quero que esteja. E estremeço face à hipótese da intolerância, a marginalização, a exclusão social e racial, conseguirem o que uma grande guerra não conseguiu.
Estes dias, são de tristeza e receios bem fundados, que a espiral de violência possa atingir níveis tais que, Paris, um dos grandes patrimónios da humanidade, se torne irreconhecível e possa perder aquele fascínio de femme-fatale que é tão seu.
Nestes dias, espero que a pira se extinga, que se escutem e o bom senso, a tolerância e a inteligência prevaleçam.
E que as palavras de as palavras de Nerval se mantenham para um futuro longínquo
Notre-Dame est bien vieille : on la verra peut-être
Enterrer cependant Paris qu'elle a vu naître ;
Mais, dans quelque mille ans, le Temps fera broncher
Comme un loup fait un boeuf, cette carcasse lourde,
Tordra ses nerfs de fer, et puis d'une dent sourde
Rongera tristement ses vieux os de rocher !
Bien des hommes, de tous les pays de la terre
Viendront, pour contempler cette ruine austère,
Rêveurs, et relisant le livre de Victor :
- Alors ils croiront voir la vieille basilique,
Toute ainsi qu'elle était, puissante et magnifique,
Se lever devant eux comme l'ombre d'un mort !