Novos Voos - Take Two

quinta-feira, agosto 31, 2006
Felicidade
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Há quem defenda que não existe um estado de felicidade permanente, que ela vem em pequenas vagas, é feita de momentos. Tal pensamento, pessimista, pressupõe que a vida é uma sequência de dias tristes, amargos, salpicados aqui e ali por pequenas alegrias, como se fosse uma noite de céu azeviche polvilhado por meia dúzia de longínquas estrelas.
Não sei se assim será, sou pouco dado a aprofundamentos filosóficos, e se estes tiverem um cunho tão negativo que a depressão seja inevitável, então é que os evito mesmo. Por vezes imagino que só por inépcia ou por vontade se é infeliz durante a maior parte da vida. E se for por opção, para mim é completamente incompreensível, uma forma como outra qualquer de desperdiçar a vida.
Naquele Verão, a areia das extensas dunas da Cova do Vapor ainda era fina e limpa, e dava gozo correr por ela, mesmo no pino do dia quando abrasava os pés, e o único calafrio que aquela água transparente causava era pela sua frescura, ainda mais refinada pelo sol constante e impiedoso. E o calor ainda mais se acentuou com a presença dela.
Apareceu-nos do nada, ou como se um raio de sol a tivesse transportado directamente para o meio do areal. Era morena, de estatura média e harmoniosa, podia-se considerar bonita, mas o que sobressaíam eram os olhos enormes, escuros e profundos, de uma doçura quase dorida, mas que denotavam uma firmeza fora do comum em alguém tão jovem.
Esboçou um sorriso e perguntou-nos se éramos de ali próximo.
Olhei para C. que, como eu, estava mudo com a aparição. Como demorámos a sair daquele estado quase imbecil de estupefacção que geralmente só ataca os adolescentes, sorriu novamente, desta vez a mostrar uns dentes brancos e quase exageradamente perfeitos, e acrescentou que era de Lisboa, mas que os tios, ele, pescador da Trafaria, a tinham convidado para uns dias em sua casa, e que esperava regressar a casa com o moreno da pele mais acentuado
Lá lhe conseguimos responder atropelando-nos um ao outro, e mal consegui esconder a satisfação que o que ela tinha dito me causara. Não só a mim, porque quando voltei a olhar C, percebi-lhe nos olhos uma espécie de desafio, um desafio mudo que lhe devolvi. Conhecíamo-nos tão bem quesoubemos então, que daí para a frente e pelo menos durante uns tempos, além de amigos iríamos ser rivais.
E assim, os dias de Verão foram passando, muitas vezes prolongando-se pela noite dentro, com banhos à luz da lua. Um e outro, alternávamos nas pequenas atenções, num clima constante de flirt que ambos levávamos a peito. Ela divertia-se.
Esgotou-se Agosto mas o regresso dos três a Lisboa não interrompeu a disputa. Confesso que da minha parte e a partir de certa altura, era somente uma questão de “honra”. Gostava muito dela, mas nunca me sentira arrebatado, “enfatuated” como dizem os ingleses, e isso para um adolescente é imprescindível, acho eu. Depois, naquelas coisas de conquistas, C levava sempre, ou quase, a melhor. Tinha mais lábia, tinha mais jeito, além de que correspondia muito mais aos ideais românticos de uma rapariga do que eu, era quase o protótipo do príncipe encantado: alto, simpático, bom conversador, e eu era mais bicho-do-mato. Mas principalmente, eu sabia que ele gostava dela a sério e que estava empenhado.
Para dizer a verdade, não creio que nenhum de nós tivesse levado aquilo na base da conquista leviana, do “engate”. Ele fora atrás do “amor á primeira vista” e fora afogado por ele. Eu, porque a princípio pensara que seria agradável um namoro de Verão, daqueles inofensivos,nada mais que isso. Depois…funcionara a teimosia. E pelo começo das aulas, eu já andava com as atenções viradas para outros azimutes.
E num entardecer húmido de Setembro, sentado debaixo de uma das arcadas do Aqueduto das Águas Livres no Jardim das Amoreiras a observar os miúdos a jogar ao lenço e a fazer horas para o jantar, C sussurra-me repentinamente ao ouvido:
- As cuecas dela cheiram a alfazema, e são de algodão macio.
Nem o tinha sentido chegar e sobressaltei-me, mas não consegui reagir. O meu olhar devia ser, inconscientemente interrogativo. Ele pelo menos assim o entendeu, porque me respondeu.
- Voltámos à Cova do Vapor, para matar saudades. Estávamos sentados na areia e beijámo-nos. Entusiasmámo-nos e foi quando ela me puxou a cara para o colo, para as coxas. E eu não conseguia parar de a beijar.
Depois continuou-me a contar a sua saga amorosa, bem avant-garde para a altura, por sinal. Não se preocupou muito que eu pudesse ficar com ciúmes. Lá no fundo já tinha assimilado tanto quanto eu, que a minha felicidade não passava por ali. A dele sim.
E era em parte verdade. Não senti ciúmes, a minha felicidade não passava por ela.
Mas nesse dia a vida fez-me saber que se pode ser feliz pelos outros. E eu fui-o por ele. Porque a cada palavra que dizia não lhe sentia a gabarolice machista, a vã glória de quem conquista pelo simples prazer de conquistar, e sim a vontade que ele tinha de partilhar comigo a sua imensa felicidade.
E eu aceitei a partilha e fui feliz com ele. E por eles

As notícias a respeito de minha “morte” têm sido bastante exageradas – Mark Twain



Fotos de Marcin Filipowicz
Escrito por: VdeAlmeida, em 8/31/2006 07:05:00 da tarde | Permalink | | ( 6)Comentários
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