Desde já uma declaração de interesses: sou um solitário inveterado e tão aficionado ao transporte em viatura própria como se pode ser, pelo que o que a seguir escrevo terá que ser lido com alguma dose de ceticismo (cá está um dos benefícios do acordo ortográfico: poupamos uma caratér ao mesmo tempo que gastamos 155 a explicar que se trata da aplicação do acordo e não de um erro ortográfico).
A minha maior irritação com os automóveis é a tendência que têm para avariarem inusitadamente, e exactamente pouco tempo após a vinda de uma revisão completa. E irrita-me mais porque sou daqueles que até respeitam os prazos de revisão, de mudança de óleo e tudo o mais, e acima de tudo, nunca deixo que envelheçam nas minhas mãos, tentando evitar ter que tratar os “alzheimeres” e “parkinsons” que os acometem quando começam a envelhecer. Pior ainda é que geralmente, estes percalços acontecem em sítios movimentados, deixando-nos na embaraçosa situação de ter que vestir aqueles ridículos coletes a que nos obriga o Código de Estrada, e que nos faz parecer cantoneiros atarantados.
Foi isso que recentemente me aconteceu: em pleno centro de Lisboa, a viatura decidiu deixar o seu pedal de mudanças inerte e a mim incapaz de o fazer mover-se por muito que tentasse.
Portanto, e após deixar o caprichoso veículo na oficina e reclamar da revisão, que remédio senão recorrer aos transportes públicos. E se a primeira viagem até foi agradável - fiz uma volta quase completa a Lisboa no eléctrico 28, que é um perfeito circuito turístico - já o mesmo não se pode dizer da segundo. Meti-me no Metro no Saldanha tendo em vista deslocar-me ao Colombo, o que me obrigava a mudar de linha no Marquês de Pombal. Nada de assinalável na 1ª parte do percurso, até porque a carruagem ia quase vazia. Mudança de linha efectuada, e para grande satisfação, novamente a carruagem com muitos lugares vagos, o que, pensei, me proporcionaria um resto de viagem tranquilo o suficiente para poder usufruir de uns momentos de agradável leitura, pelo que me sentei junto à coxia sem ninguém por perto e abri o meu livro.
A tranquilidade foi de pouca dura: na paragem seguinte entraram uns poucos adolescentes - eles e elas - que além da algazarra, mudavam de lugares a cada 5 segundos. Nada de muito incomodativo, mas o suficiente para me desconcentrar da leitura. Estava a tentar adivinhar em que estação sairiam, quando ouço um tilintar de chaves. À altura dos meus olhos surge então um molho das ditas - tão grande como o de um guarda-nocturno dos antigos - pendurado numas calças de ganga pertencentes a um tipo que pretendia sentar-se a meu lado, no lugar da janela. Desviei-me um pouco para lhe dar passagem e, logo que se acomodou, começou a manipular furiosamente um pequeno Rádio com mp3, que assim à vista desarmada, me pareceu de gama média/baixa, coisa para custar entre 20/30 €. Só que, o que me fez olhar para o homem - baixo, de meia-idade, com um aspecto absolutamente vulgar - não foram as chaves nem a sua obstinação com o pequeno aparelho. Foi o cheiro que o envolvia e que o precedia a vários metros. Era um odor de suor de vários dias, entranhado, e absolutamente intolerável.
Lembro-me que quando andava no Liceu foi-nos marcada uma visita de estudo ao Jardim Zoológico - o que muito nos satisfez - e a acompanhante idónea foi a nossa simpática professora de Geografia. A coisa correu bem até chegarmos às jaulas dos saguins. Um deles estava num visível estado de excitação sexual, pelo que o gozo da malta foi, naturalmente, imediato. E é evidente que as provocações ao excitado animal começaram, no que se evidenciou um colega meu que, por mera coincidência tinha a alcunha de “Macaco”. O saguim aparentava uma irritação crescente e começou a guinchar e aos pulos, e a agarrar desesperadamente nas barras da jaula, na tentativa (vã) de as arrancar de modo a poder punir o provocador. Impotente, agarrou numa mão cheia de palha, restos de comida e dejectos e arremessou aquela papa em direcção ao meu colega. Só que este tinha reflexos rápidos e desviou-se a tempo. Lamentavelmente, a minha professora de Geografia não tinha os reflexos tão afinados, pelo que foi a feliz contemplada com um belo banho de trampa e mijo de macaco misturados com cascas de amendoins e de bananas.
Imaginem o cheiro com que a senhora saiu do Zoo, mesmo depois de zelosamente limpa por um tratador que assistiu ao desenlace. Acreditem: aquele cheiro ainda até há pouco tempo e passados umas décadas, me vinha de vez em quando ao nariz.
Mas agora receio que o cheiro do meu companheiro de viagem actualize a minha memória olfativa, tomando o lugar daquele que já fazia parte da minha história de vida e pelo qual, de certa forma, já nutria algum afeto.
Pensei mudar de lugar, mas entretanto o Metro tinha lotado, pelo que, num acesso de masoquismo, permaneci no lugar, apesar das minhas narinas se queixarem dolorosamente.
Que diabo, aquele tipo, com o que tinha gasto no MP3 do qual - ao que me pareceu - não tirava partido, uma vez que estava constantemente a mudar de emissora, bem podia comprar uns frascos de gel de banho, ou, sendo mais conservador, uns sabonetes da Saboaria Confiança. Pelas minhas contas, o dinheiro gasto no aparelho dar-lhe-ia para comprar pelo menos uns 7 ou 8 sabonetes, quantidade que, durante uns meses largos, pouparia aos seus companheiros de viagem, a tortura de inspirarem aquele pouco estimável e muito personalizado perfume.
Quando por fim cheguei ao destino, pensei para comigo que:
1 - as prioridades dos portugueses - pelo menos de alguns - deixa muito a desejar.
2 -os transportes públicos deviam ter à entrada, algo assim como aqueles duches por onde tem que se passar antes de entrar nas piscinas, mas a seco. (outra hipótese, seria haver em cada paragem um polícia com um daqueles cães farejadores que dissuadisse os clientes com falta de hábitos higiénicos a entrarem no transporte)
E voltei a pé para casa, que o meu médico de família anda-me sempre a recomendar exercício físico, donde telefonei para a oficina para insistir que precisava do carro com muita urgência.